terça-feira, 23 de setembro de 2008
Cristovao Tezza - O Filho Eterno
Trechos de "O Filho Eterno" , em que o pai recebe a notícia de que o filho tinha sido diagnosticado como portador da Síndrome de Down:
"Em um átimo de segundo, em meio à maior vertigem de sua existência, a rigor a única que ele não teve tempo ( e durante a vida inteira não terá) de domesticar numa representação literária, apreendeu a intensidade da expressão "para sempre" - a idéia de que algumas coisas são de fato irremediáveis, o sentimento absoluto, mas óbvio, de que o tempo não tem retorno, algo que ele sempre se recusava a aceitar. Tudo pode ser recomeçado, mas agora não: tudo pode ser refeito, mas isso não ; tudo pode voltar ao nada e se refazer, mas agora tudo é de uma solidez granítica e intransponível : o último limite, o da inocência, estava ultrapassado; a infância teimosamente retardada terminava aqui, sentindo a falta de sangue na alma, recuando aos empurrões, sem mais ouvir aquela lengalenga imbecil dos médicos".
"Ele recusava-se a ir adiante na linha do tempo; lutava por permanecer no segundo anterior à revelação, como um boi cabeceando no espaço estreito da fila do matadouro; recusava-se mesmo a olhar para a cama, onde todos se concentravam num silêncio bruto, o pasmo de uma maldição inesperada. Isso é pior do que qualquer coisa, ele concluiu- nem a morte teria esse poder de me destruir. A morte são sete dias de luto, e a vida continua. Agora, não. Isso não terá fim. Recuou dois, três passos, até esbarrar no sofá vermelho e olhar para a janela, para o outro lado, para cima, negando-se, bovino, a ver e a ouvir".
"Pai e mãe são tomados pelo silêncio. É preciso esperar para que a pedra pouse vagarosamente no fundo do lago, enterrando-se mais e mais na areia úmida, no limo e no limbo, é preciso sentir a consistência daquele peso irremovível para todo o sempre, preso na alma, antes de dizer alguma coisa. Monossílabos cabeceantes, teimosos - os olhos não se se tocam".
"Se eu escrever um livro sobre ele, ou para ele, o pai pensa, ele jamais conseguirá lê-lo"
"Eu não posso ser destruído pela literatura; eu também não posso ser destruído pelo meu filho - eu tenho um limite : fazer, bem-feito, o que posso e sei fazer, na minha medida. Sem pensar, pega a criança no colo, que se larga saborosamente sobre o pai, abraçando-lhe o pescoço, e assim sobem as escadas até a porta de casa"
"Durante todos esses anos sentiu o peso ridículo de ser escritor, alguém que publica livros aos quais não há resposta, livros que ninguém lê ; e resistiu bravamente, e pelo menos nisso teve sucesso, ao consolo confortável, à coceira na língua, quase sempre calhorda, de despejar no mundo as culpas da própria escolha
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário