Então

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Mostra no Vitra Design Museum explora o processo criativo de Frank Gehry


Marcelo Lima, ANTENA

A fachada da Casa Dançante,
prédio de escritórios no centro de Praga,
na República Checa, criado em parceria com Vlado Miluni
 

Ele já emprestou a voz a um personagem num episódio do desenho animado The Simpsons, para sugerir que toda a sua inspiração vinha de uma simples folha de papel amassado. Já criou uma garrafa para um produtor de vodka russa e, reza a lenda, que, recentemente desenhou, via IPhone, um chapéu para a diva pop Lady Gaga. Ao contrário de seus críticos, o arquiteto canadense Frank Gehry Owen nunca pareceu se incomodar com a notoriedade. E, menos ainda, em gerar polêmica.
Laureado com o prêmio Pritzker, em 1989, é considerado hoje um ícone da arquitetura internacional, um starchitect - como se convencionou chamar profissionais que, por meio de projetos nada convencionais, atingiram o status de celebridade (Zaha Hadid e Norman Foster são bons exemplos) - cada uma de suas criações, invariavelmente, acaba por angariar uma multidão de admiradores. E também outra, não menor, de detratores.
De titânio, a fachada do Walt Disney Concert Hall,
sede da Orquestra Filarmônica de Los Angeles
Fortemente imagéticos, seus edifícios, em sua maioria concebidos a partir de matérias- primas pouco usuais, como o titânio, falam de uma outra realidade. De um mundo no qual o sonho da forma pura aparece propositalmente deformado. Do bruto e do inacabado. De formas estruturais sem função. Para alguns, em síntese, as obras mais importantes de nosso tempo. Para outros, uma arquitetura que cede ao espetaculoso e ao midiático, visando se transformar, ela própria, em atração turística.
Nascido em Toronto, em 1929, Gehry cedo se transferiu para os Estados Unidos, onde se graduou em arquitetura. Primeiro de seus projetos construídos, a casa onde mora, em Santa Mônica, na Califórnia, é tomada por muitos críticos como o primeiro exemplar de arquitetura desconstrutivista. Rótulo ainda hoje contestado pelo arquiteto, apesar de o projeto estar alinhado com a corrente arquitetônica dos anos 80.
De papelão corrugado, a seleção dos móveis de Gehry
produzida pela Vitra 
Livre de qualquer rigidez formal herdada do modernismo e afastada de qualquer princípio universal - sobretudo da crença de que a forma, necessariamente, deveria seguir a função -, foi ela, a casa de 1978 onde ele ainda vive, a responsável pelo salto inicial na carreira do arquiteto. Abrindo as portas, por exemplo, para a construção de um edifício com o grau de complexidade da Casa Dançante, de 1996, concebido em Praga, em parceria com o arquiteto Vlado Miluni.
Processo criativo. Focalizando outro ponto de inflexão na carreira do arquiteto - a conclusão do Museu Guggenheim, de Bilbao, na Espanha, em 1997 -, uma exposição, atualmente em cartaz no Vitra Design Museum, na Alemanha, lança novas luzes sobre o processo criativo do arquiteto. Ao todo, a mostra reúne 12 projetos, apresentados não como edifícios isolados, mas analisando também como eles estão inseridos e se envolvem com suas respectivas malhas urbanas.
A maquete do Pavilhão Jay Pritzker, em Chicago,
 é um dos elementos didáticos da retrospectiva
Primeira das constatações: ao contrário do que se supõe, é notável como todo o desconstrutivismo de Gehry se deve muito mais à construção das tradicionais maquetes do que às incontáveis ferramentas digitais de que dispõem os arquitetos de hoje.
Com uma seleção apurada de modelos tridimensionais dos edifícios mais importantes erguidos por Gehry nos últimos 13 anos, a mostra é uma oportunidade única de conhecer todas as etapas da execução de obras como o Pavilhão Jay Pritzker (sala de concerto ao ar livre, em meio a um parque de Chicago) e do Walt Disney Hall (sala de espetáculos já célebre pelo desenho assimétrico de suas fachadas, em Los Angeles). E traz, ainda, a icônica Easy Edges, coleção de móveis de papelão criada por ele nos anos 70.
A maquete do Pavilhão Jay Pritzker, em Chicago,
 é um dos elementos didáticos da retrospectiva
Em última análise, a mostra comprova que, sob a ótica do impacto urbano, as construções do arquiteto canadense estão longe de não cumprir sua função social. Em Bilbao, por exemplo, antes uma cidade quase desconhecida, os visitantes se contam hoje aos milhões. Dois de seus edifícios, construídos em Dusseldorf, na Alemanha, foram decisivos para a revitalização da área portuária da cidade. E alguém ainda duvida de que o Walt Disney Hall vá desempenhar papel decisivo na dinamização da área da baixa Los Angeles? Em se tratando de uma obra de Gehry, não resta dúvida. É esperar para ver.
Frank Gehry, 81 anos



fonte:O Estado de São Paulo

Povos nômades: as primeiras vítimas do aquecimento global


Oliver Samson 


A seca ameaça a subsistência dos nômades
A seca ameaça a subsistência dos nômades

Graças a seu estilo de vida, os povos nômades não contribuem para as mudanças climáticas. Mas eles já podem sentir as mudanças na natureza, cujas consequências são muitas vezes catastróficas.

Nas regiões etíopes de Borana e Somali, os nômades vivem há séculos levando seu gado de uma pastagem escassa para outra. Sua forma de vida se adapta às mudanças da estação chuvosa para a seca, da abundância à escassez. Eles não precisam de estudos de longo prazo nem de tabelas de temperatura. Para eles as mudanças climáticas já são uma realidade, como comprovou este ano o relatório da organização humanitária Care.
Antes, a seca ocorria a cada seis ou dez anos, segundo relatam pastores da Etiópia, mas agora elas vêm quase todos os anos. Os nômades não têm tempo de se recuperar do período da seca. A água é escassa e precisa ser transportada por longas distâncias. O solo ressecado sofre erosão acelerada, o gado é mais suscetível a doenças, há menos crias, e a renda, que já é pouca, cai – os nômades estão perdendo seu meio de subsistência.
 Quarenta milhões de atingidos
 Variações climáticas extremas, secas, inundações, tempestades, temperaturas cada vez mais altas e desertificação ameaçam milhões de nômades na Etiópia, no Níger, na Mauritânia, no Quênia e no Sudão. "Na Somália, por exemplo, a maioria da população vive desse tipo de economia", diz Günther Schlee, do Instituto Max Planck para pesquisa Etnológica em Halle/Saale, um dos mais renomados pesquisadores de nômades na Alemanha. Segundo suas estimativas, existem ainda cerca de 40 milhões de criadores de gado nômades no mundo.
Secas que ocorriam a cada cinco anos agora são anuais, e pastores não conseguem se recuperar
Secas que ocorriam a cada cinco anos agora são anuais, e pastores não conseguem se recuperar
Mas não são apenas pastores na África que sofrem diretamente com as mudanças na natureza. Invernos mais amenos com grandes quantidades de chuva representam um problema enorme para os pastores de renas no norte da Finlândia e na Rússia: o solo, que antes era congelado, tornou-se lamacento e os animais podem afundar nos pântanos. A vegetação está mudando, as rotas e períodos de migração estão confusos, porque os rios estão congelando mais tarde ou descongelando mais cedo.
 A devastadora "Dzud"
 Na Mongólia, 2,7 milhões de pessoas vivem da criação de gado – quase metade da população. Desses, aproximadamente um terço é nômade. O país de estepes da Ásia Central sofre os impactos do aquecimento global de uma forma especialmente dura. Os mongóis a chamam de "Dzud": a mudança do período da seca no verão para um inverno muito frio.
No último inverno, as tempestades de neve e o frio extremo até mesmo para os padrões mongóis deixaram os nômades em estado de calamidade. Com temperatura de 40 graus negativos, segundo informações da Cruz Vermelha, cerca de 4,5 milhões de cabras, ovelhas, camelos e cavalos congelaram, e dezenas de milhares de nômades perderam seus meios de subsistência.
Seja na Etiópia, Finlândia ou na Mongólia, os nômades precisam de alternativas para se adaptarem às mudanças climáticas. Na Mongólia, a solução podem ser instalações móveis de geração de energia, para que as regiões afetadas pela seca possam melhorar a captação e armazenamento de água, como a construção de poços e cisternas.
Mas acima de tudo é preciso realizar mudanças de médio prazo – mudar as condições políticas e sociais, "já que o problema dos nômades não são exclusivamente as mudanças climáticas", avalia o etnólogo Schlee. Os nômades enfrentam problemas muito piores do que as mudanças climáticas: uma política unilateral que favorece as formas sedentárias de economia, o crescimento populacional e a redução contínua de terras livres para pastagens.
Legislação que favorece atividades econômicas sedentárias também dificulta vida nômade
Legislação que favorece atividades econômicas sedentárias também dificulta vida nômade
Guerra climática entre nômades e sedentários?
 Para o psicólogo social Robert Welzer, os impactos sociais das mudanças climáticas são "o maior desafio da modernidade". Em seu livro Guerra Climática, ele lista 70 conflitos ao redor do mundo que devem se agravar por causa das mudanças climáticas.
A guerra civil no Sudão, em que, além das tropas do governo, 20 milícias dividem-se entre agricultores sedentários e pastores nômades. Para Welzer esta é a primeira "guerra climática".
 Mas os conflitos entre nômades e sedentários são tão antigos quanto a própria humanidade. Por isso, o pesquisador de nômades Günther Schlee não acredita que as mudanças climáticas ameacem a forma de vida dos nômades.
Pelo contrário: novas tecnologias da mobilidade, como os telefones celulares, vão facilitar a vida nômade. "Na verdade existem cada vez menos argumentos para ser sedentário", diz Schlee. Afinal a vida nômade é cada vez mais comum nos países industrializados: "A maioria das empresas são dirigidas por nômades que se deslocam de país em país, de quarto de hotel em quarto de hotel."

Autor: Oliver Samson (ff)
Revisão: Carlos Albuquerque
fonte:Deutsche Welle

domingo, 30 de janeiro de 2011

RELENDO POEMÓBILES DE AUGUSTO E PLAZA




Régis Bonvicino
Acaba de sair a 3ª edição de Poemóbiles (originalmente de 1974) do poeta Augusto de Campos e do artista plástico espanhol, naturalizado brasileiro, Julio Plaza (1938-2003). O livro-poema é constituído de doze peças, cada uma delas composta por um poema articulado num móbile-página ou vice-versa: “Abre”, “Open”, “Cable”, “Change”, “Entre”, “Impossível”, “Luzcor”, “Luxo”, “Reflete”, “Rever”, “Vivavaia” e “Voo”. Alguns dos poemas de Augusto de Campos já haviam sido publicados anteriormente como “Vivavaia”, “Luxo” e “Rever”. Num ensaio de 1982, Plaza definia Poemóbiles como livro-poema ou livro-objeto, que se pautava por ser, ele mesmo, um suporte significativo, ao propor uma relação na qual há equilíbrio entre o espaço e o tempo e na qual o texto adquire perfil pictográfico e ideográfico no corpo do papel, agora ativado por seu caráter escultórico e móvel.

Em 1932, Marcel Duchamp (1887-1968) usou, pela primeira vez, a palavra “móbile” para fazer referência a algumas esculturas do norte-americano Alexander Calder (1898-1976). Calder ocupa um lugar único entre os escultores contemporâneos. Criador dos stabiles, esculturas sólidas e fixas, e dos móbiles, placas e discos metálicos unidos entre si por fios que se agitam quando tocados pelo vento, assumindo formas mutantes, imprevistas. Tanto Poemóbiles quanto Caixa preta (1975) configuram parcerias de Plaza e de Augusto de Campos que repensam os discos óticos, que contêm poemas, de Marcel Duchamp e sua Boîte verte, sob o lema “écriveur”, além dos mencionados experimentos de Calder. Em 1974, o movimento concretista, de 1956, era ainda recente. A ditadura brasileira completava dez anos e o general Ernesto Geisel passou a presidir o país nesse exato ano, iniciando um processo lento de transição à democracia. Seu governo coincide com o fim do “milagre econômico” dos tempos do general Emilio Garrastazu Médici e com a insatisfação popular advinda também da crise do petróleo e da recessão mundial, com a seca dos empréstimos internacionais.

Geisel anuncia a abertura política “lenta, gradual e segura”. A oposição começa a ganhar espaço. Nas eleições de 1974, o MDB conquista 59% dos votos, para o Senado, e 48% para a Câmara dos Deputados. Os militares de linha mais dura, descontentes com o governo Geisel, começam a promover ataques clandestinos aos membros da oposição. Em 1975, por exemplo, o jornalista Vladimir Herzog á assassinado nas dependências do DOI-Codi, em São Paulo. Em 1978, entretanto, Geisel acaba com o AI-5, restaura o habeas-corpus e abre caminho para a volta da democracia, o que ocorreria em 1985 com o governo de transição de José Sarney. Em certo aspecto, o trabalho de Augusto de Campos, no qual se inclui essa parceria com Julio Plaza, é uma recusa não só do verso – como tanto já se disse, em proselitismo concretista ou em crítica – mas também uma recusa da paisagem de mortes, torturas e violência institucional, praticadas pela ditadura de Getúlio Vargas (1937-1945) e pela ditadura militar de 1964.

O concretismo de 1956 – um mundo inteiro surgido do quase nada, nesse país periférico – com sua “assepsia” das formas puras e seus espaços em branco, com a Segunda Guerra recém-finda, é, sob muitos ângulos, uma recusa ao universo da ditadura de Vargas, porque as recusas, na cultura, não afloram de modo linear. Uma recusa ao nacionalismo e ao populismo de Vargas, às suas atrocidades, muito mais do que produto do período “desenvolvimentista” Juscelino Kubitschek. Período hoje que se vê bem menor, em termos de desenvolvimento, do que se proclamou.

A racionalidade é o valor que o movimento opõe à irracionalidade brasileira, violenta, oligárquica e corrupta. Ou conforme observa o escritor espanhol Antonio Muñoz Molina, a respeito de Bauhaus: “milhões de homens haviam sido mortos no coração da Europa. Em Bauhaus, a racionalidade funciona como um valor supremo e, nela, há uma recusa em perpetuar tradições sufocantes”. A conclusão vale para o caso dos concretos.

Os poemas, de Poemóbiles, em si, algumas vezes, vigem mais como intenção do que como resultado, fazendo, dessa perspectiva, uma ponte com a arte conceitual, paradoxalmente. Aliás, os textos estão, em momentos, um pouco aquém dos objetos de Plaza, sobretudo, os “republicados”, como “Vivavaia” ou “Luxo”. O impessoalismo olímpico (expressão do crítico João Adolfo Hansen para definir o poema concreto) de “Luxo”, um poema concreto tout court, mina sua própria racionalidade crítica, no vaivém de seu agora móbile, de seu apagar-se pictográfico. Há pontos altos como “Entre”. A preposição, e também verbo no imperativo, está, sugestivamente, cortada ao meio e propõe ao leitor: ter/ ver /sub; isto é, subverter, subter, ver debaixo, ver por baixo. Objeto e palavra estão bem articulados, um é necessário ao outro.

Em “Cable” registra-se a possibilidade de sequer se passar um telegrama – um objeto-poema igualmente vinculado ao tema da censura. “Open” mata o sentido do verbo abrir com seu caráter cinético, psicodélico. É um belo objeto. Em “Voo”, o aspecto de vagina das páginas torna-se mais explícito ainda, o traço sexual de todo o projeto, autorizado, aqui, pela palavra que se entrelê: “xoxo” – beijo.

Diante da pobreza espiritual do Brasil de hoje e não só de sua poesia, muito depauperada, depauperada porque sem distância crítica de si e do próprio país, ganha-se ao rever Poemóbiles. Cabe, agora, sugerir que as obras completas de Julio Plaza, um dos mais contundentes artistas plásticos brasileiros do século 20, sejam enfim organizadas, para que o público de hoje possa conhecer sua grandeza crítica. 



Lançamento de http://www.annablume.com.br/
fonte:Sibila Poesia e Cultura

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Domino Clock


Humanos deixaram a África 65 mil anos antes, diz estudo


map of Africa

Por Michelle Martin
 Os humanos modernos trocaram a África pela Arábia até 65 mil anos antes do que se imaginava, e seu êxodo foi possível graças a fatores ambientais, e não pela tecnologia, disseram cientistas na quinta-feira.
Suas conclusões sugerem que os migrantes seguiram uma rota direta da África até a Península Arábica, e não pelo vale do Nilo e o Oriente Próximo, conforme sugeriam estudos anteriores.
Uma equipe internacional de pesquisadores estudou um antigo "kit de ferramentas" com machados, perfuradores e raspadores, desenterrado no sítio arqueológico de Jebel Faya, nos Emirados Árabes Unidos.
"Nossas descobertas deveriam estimular uma reavaliação dos meios pelos quais nós, humanos modernos, nos tornamos uma espécie global", disse Simon Armitage, da Universidade de Londres, que participou do estudo.
Usando a datação por luminescência - técnica usada para determinar quando grãos minerais foram expostos ao sol pela última vez - eles descobriram que as ferramentas de pedra tinham de 100 a 125 milênios de idade.
Hans-Peter Uerpmann, da Universidade Eberhard Karls, em Tuebingen (Alemanha), que coordenou a pesquisa, disse que essas ferramentas se pareciam com objetos produzidos por proto-humanos no leste da África, o que sugere que "não foram necessários feitos culturais específicos para que as pessoas deixassem a África."
A pesquisa, publicada na revista Science, sugere que fatores ambientais, como o nível dos mares, foram mais importantes para a migração do que as inovações tecnológicas.
Os pesquisadores analisaram registros do nível do mar e das mudanças climáticas, preservados na paisagem desde o último período interglacial - cerca de 130 mil anos atrás -, para determinar quando os humanos poderiam ter cruzado para a Ásia.
Eles concluíram que o estreito de Bab al-Mandab, entre a Arábia e o Chifre da África, teria se tornado mais reduzido naquela época, quando o nível do mar estava mais baixo, e que isso serviu como rota segura antes e no começo do último período interglacial.
Uerpmann disse que o estreito poderia ter sido transitável com maré baixa, e que provavelmente os humanos modernos o cruzaram a pé, ou então em botes e jangadas.
Considerava-se anteriormente que os desertos árabes teriam impedido um êxodo a partir da África, mas o novo estudo sugere que a Arábia se tornou mais úmida durante o último período interglacial, com mais lagos, rios e vegetação, facilitando a sobrevivência humana por lá.
Há um grande debate a respeito do momento em que os humanos modernos deixaram a África, mas pesquisas anteriores sugeriam que o êxodo ocorreu pelo Mediterrâneo ou pela costa árabe em torno de 60 mil anos atrás.
Reuters

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

"Revolução de Jasmim" é exclusiva da Tunísia




Paul Achcar 
1) Glaciação  

Em meados dos anos 1970, o líder político libanês Kamal Joumblat pressentia a evolução dos regimes árabes rumo a um sistema único, com "o pior dos regimes comunistas e o pior das ditaduras militares da América Latina". Pouco tempo depois, Joumblat caiu vítima das balas sírias do sistema que ele denunciava. A partir daquela época, a distinção entre monarquias conservadoras tribais e repúblicas progressistas militares – estabelecida com o nasserismo – ficou obsoleta, como se um sistema único, um despotismo afro-asiático de "tipo árabe” tivesse se instalado de modo inamovível. As repúblicas redescobriam suas raízes tribais e as monarquias se militarizaram. O comunismo sumiu, assim como as ditaduras latino-americanas.  O mundo transformou-se, mas o universo árabe ficou congelado em um sistema único. Saddam no Iraque, Assad na Síria, Kadhafi na Líbia e muitos outros chegaram com um golpe de Estado, e nunca mais saíram do poder. Vieram para ficar, como se disse gentilmente. Salvo a morte, claro.  

A tela do sistema único se fundiu: como os xeques e os reis árabes eram muitas vezes sucedidos pelos irmãos, os filhos aprenderam a derrubar os pais, como no Qatar. Os presidentes das Repúblicas, por sua vez, começaram a preparar seus filhos para o poder. Dessa forma,  se forjou uma expressão nova, a "republarquia". O porquê desta glaciação remete a implosão do movimento nacional árabe com a derrota vergonhosa das repúblicas durante a Guerra de 67. Na falta de um projeto, todos os gatos viraram pretos, e a cegueira esta intensa, como diria Saramago… E nessa noite sombria, sem projeto ou alternativa, o islamismo (na suas mais diversas formas) preencheu o espaço deixado pelas oposições leigas (ou laicas). Ele parecia o último refugio para os pobres deixados na margem, um contra-sistema simples e eficaz, e o único que sobrava…  

A história do mundo árabe a partir dos anos 1980 se reduziu a uma luta feroz e muitas vezes desigual entre o despotismo "republarquista" e islamismos tenazes. Com o decorrer do tempo e mais ainda depois de 2001, esses regimes se promoveram como fortalezas para conter o islamismo, que por sua parte se transformou na única oposição real, como se diz do "voto útil".  

Leia mais no Opera Mundi: 
Surpresa: a Tunísia era uma ditadura
Saara Ocidental, uma terra ocupada
Uma revolução começou — e será digitalizada  Wikileaks, vazamentos e uma nova diplomacia mundial 
Sobre a barbárie imperialista, a crise do capital e a luta dos povos
Queda de presidente da Tunísia não deve aliviar protestos, diz especialista
  

Os acontecimentos da Tunísia acabam com esta história que se repete como um metrônomo desde décadas. É a única ruptura endógena – o exemplo iraquiano é uma ruptura exógena – na longa noite da glaciação árabe. Graças à Al Jazeera, entre outras, a cidadania televisiva árabe teve a sensação de sair de uma hibernação sem fim quando ela viu o temido Ben Ali, o chefe de governo militar que derrubou o histórico Bourguiba em 1987 com um golpe "medical", choramingar na televisão como uma criança e fugir dois dias depois.  

2) Movimento     

As televisões por satélite são muito importantes para circular a informação, mas não podem transformar o telespectador em militante. Geralmente, elas fazem o contrário.  Muito devagar com a teoria do contágio. Se a questão é saber se existe em outros países árabes – Jordânia, Egito, Síria, Argélia, Líbia são os casos mais citados – condições análogas às tunisianas, a resposta é inequivocamente positiva. São muitos os países onde as condições são iguais, quando não piores em termos de miséria, desemprego, repressão e violação dos direitos humanos.  

O Egito, esse gigante regional – um quarto da população do mundo árabe – mais que qualquer um. Infelizmente talvez, os povos (eles diferentes entre si) são submetidos à  regimes concretos distintos e não a uma "republarquia" abstrata. Não dá para especular que "as mesmas coisas devem produzir os mesmos efeitos". Ou será que a redemocratização sul-americana foi o resultado de um contágio? Estímulo, talvez (exceto o pequeno Paraguai, depois da redemocratização do gigante Brasil).     

De fato, a Tunísia é um país pequeno. Fica ao lado da Argélia que, no mesmo momento que a Tunísia, viu uma revolta contra o aumento dos preços dos alimentos, que acabou como acabam as revoltas deste tipo: com repressão ou na desistência do aumento. O desenrolar dos fatos tunisianos foi peculiar: um advogado desempregado trabalhava como vendedor ambulante de frutas e legumes. Um dia, um policial confisca seu carrinho, ele se queixa na delegacia, sai de lá humilhado e se imola pelo fogo. A revolta tunisiana começa depois, na repressão que surgiu durante seu enterro, o primeiro dos massacres na Tunísia.     

E sintomático, mas também patético, que depois da fuga de Ben Ali, tenha começado uma onda de imolações pelo fogo na Argélia (oito casos) , Egito (quatro), Mauritânia (um) e até um em Marselha, França! Esta epidemia merece talvez ser chamada de contágio. A especificidade do "movimento" que derrubou Ben Ali da Tunísia – onde o celular, mais do que outras redes sociais, teve um papel decisivo na organização prática (pontos e horários para manifestações) do que na divulgação de informação – foi que sua expansão nas regiões antes de chegar à capital deu ao exército o tempo de amadurecer seu posicionamento, colocando-se contra a polícia e Ben Ali. A coragem magnífica do povo, que superou o medo ao preço de 100 mortos, foi suficiente para chegar até o dia de ver o ditador virar palhaço. Depois disso, de Ben Ali, ninguém mais teve medo.  

Na Tunísia, o que possibilitou um desenrolar endógeno foi a população, pequena e homogênea, e também o fato de o país não ter petróleo. Como regime, talvez a Síria dos Assad, com seu sistema mafioso-militar que lembra mais o sistema Ben Ali. Mas Damasco tem também um perfil estratégico no oriente árabe que Tunis não tem no Magreb. Por tudo isso, pela especificidade (e a sorte) tunisiana, não vejo riscos de essa revolução se espalhar. Preocupo-me muito mais como a Tunísia sairá desse período. Porque sei que mais difícil que destruir a indestrutível fortaleza do medo, é depois, quando surgem os verdadeiros estragos da longa noite.


*Paul Achcar é jornalista e trabalhou como correspondente na América Latina para os jornais, alAkhbar, Al Hayat e As Safir e para as rádios árabes da BBC e de Monte Carlo alDuwaliya (a estação árabe da Radio France Internationale – RFI)

Paulista-Vania Bastos.



Microcrônicas Paulistanas





*Marcelino Freire - O Estado de S. Paulo
[1]LEINo bar em que aconteceu a chacina, também é proibido fumar.
[2]TRÂNSITOO problema não é o número de carros, é o número de concessionárias.
[3]BELAS ARTESRezo para que não vire uma igreja.
[4]TRABALHOSão Paulo é uma cidade que acorda, não é uma cidade que amanhece.
[5]NATUREZANa cidade o que mais tem é planta. De prédio.
[6]SARAU NA PERIFERIAMarginal, não. Poeta.
[7]CRIME
Mortos de pancadas de chuva.
[8]HELICÓPTEROQual hora caiu um em cima de um motoboy.
[9]FOGOApagaram a favela.
[10]POESIA CONCRETANo meio do caMINHO umMINHOcão.
[11]FRIOEle diz que ama São Paulo. Mas só quer sexo.
*MARCELINO FREIRE é escritor, autor, entre outros de 'Contos Negreiros' (Editora Record). Em 2004, idealizou e organizou a antologia 'Os cem menores contos brasileiros do século' (Ateliê Editorial). Nasceu em 1967 em Sertânia-PE. Vive em São Paulo desde 1991. Também escreve microcontos no twitter.
fonte: Estadão

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Tarde demais





Por Izabel Campana
Parece que foi Fernando Sabino quem disse, em crônica sobre Paris, que sentia ter chegado à cidade tarde demais. Eu tive uma experiência muito parecida quando cheguei ao Rio de Janeiro pela primeira vez. 40 graus, 40 anos atrasada.
Fui morar no Rio em 2007. Tenho que admitir, mesmo temendo a reação raivosa que certamente virá dos amigos cariocas, que me decepcionei.
Não vi nada daquilo que eu esperava. Queria ver o Rio de Tom e Vinícius. Sim, gente bonita a desfilar por praias de tirar o fôlego. Fervor de beleza, paraíso tropical dos hedonistas. Mas também queria ver muita gente inteligente. Queria ver o Rio centro pensante do país.
Queria ter estado lá para ver os gênios. Só de escritores, uma boa penca. O próprio Sabino, Rubem Braga, Manoel Bandeira, Clarice Lispector, Drummond. Isso só para citar alguns. E Nelson Rodrigues, meu herói de infância. É, eu sei, fui uma criança esquisita.
E para falar mais dos jornais: Stanislaw Ponte Preta, Carlos Castello Branco, Otto Lara Resende, Paulo Francis, Paulo Mendes Campos. Quer mais?
Tinha mais. A melhor música, a melhor vida noturna. O melhor que vinha de fora. Passou por lá, sim senhor. Queria ter estado no Rio para ver Noel Rosa, ou mesmo João Gilberto, quando ainda saía de casa. Além do melhor do futebol. Garrincha, Didi e o milésimo gol do Pelé no Maracanã.
Queria ter visto o Rio de Janeiro capital. Não balneário. Com figuras históricas interessantes. Queria assistir Missa do Galo na Corte e trocar umas idéias com Lima Barreto numa mesa de bar.
Mas a verdade é que o Rio não envelheceu bem. Perdeu os melhores dentes. Os da frente. E quando eu cheguei, nada daquilo que cresci ouvindo Tom e Vinícius cantarem estava lá.
Copacabana, Princesinha do Mar, imprópria para banho. A verdadeira Garota de Ipanema são hoje senhoras de 80 anos. Vão à praia de toca e penhoar e lotam as filas do banheiro do Cine da Roxy nas tardes de domingo.
Foi substituída por um outro ser. Uma mulher bombada, betacarotenada, siliconada e oxigenada, que não é cheia de graça.
Além da Barra da Tijuca, que encaixotou todo mundo em condomínios fechados e roubou o Glamour do posto 7.
Belezas naturais? Desde que o Gabeira meteu uma tanga fio dental e foi à praia, a paisagem não é mais segura. E quando a praia deixa de ser refúgio, o calor do Rio vira tortura. A primogenitura por um ar-condicionado!
Não é que tudo fosse ruim quando morei lá. Sinto falta de muita coisa do Rio. Os amigos, em primeiro lugar. Creio que seja bom adulá-los para ver se não perco a amizade.
Andanças pela Barata Ribeiro para tomar um suco, entrar num sebo. Visitar as livrarias, as galerias, e um honesto  restaurante chinês do centro da cidade.
Mas não. O Rio não é mais aquele que recebeu Brigitte Bardot. Assim como Brigitte Bardot não é mais aquela que visitou Búzios.
Mas também, talvez eu é que esperasse demais. Tinha feito na cabeça uma imagem de fantasia com narração de Paulo Francis, trilha sonora de Noel Rosa e fotografia de Gervásio Baptista.
Esperava encontrar um Rio de Janeiro que não é só de outra época. É de outras épocas. E é tarde demais para acreditar nesse Rio de Janeiro que sempre existiu só na minha imaginação.