Então

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Flávio Tavares: Brutal, revoltante





Consumada a tragédia, além do pranto e da solidariedade, resta agora o caminho mais árduo: encontrar os assassinos diretos e indiretos. Sim, pois na tragédia de Santa Maria os culpados transformam-se em assassinos, em autores de um homicídio coletivo.

Não se equivocaram ou cometeram um simples erro, enchendo os salões além da lotação máxima habitual. Sabiam que não havia saídas e nunca se interessaram em resolver o problema. Programaram a atração de um fogaréu nos salões para atrair mais gente, mesmo sabendo que fogo se propaga. 

Tudo foi feito como se fosse premeditado.
Armaram o cenário da morte, mesmo dizendo (ou pensando) que queriam divertir. Os fiscais municipais “deixaram por isto”, pois a burocracia só cuida dos papéis e, nos papéis, tudo se contorna com propina. “As licenças estavam em ordem”, dirá, certamente, a prefeitura ou quem de direito. E daí?

Onde estava, porém, a responsabilidade empresarial? O correto empresário não vende água como se fosse leite, à espera de que o poder público, ao fiscalizar, alerte que água não é leite... Em Santa Maria, agora, tudo se juntou – sanha de lucro fácil, desídia e irresponsabilidade dos donos da boate além da fiscalização municipal carcomida pelo desleixo ou pelo suborno.

A tragédia exige pensar a fundo e indagar sobre a sociedade de consumo e seu hedonismo, que transforma tudo em mercadoria de venda fácil. Até a vida de mais de duas centenas de jovens que buscavam relaxar e e divertir-se. Esta tragédia não é apenas dramática e brutal, é revoltante.
ZERO HORA

domingo, 27 de janeiro de 2013

A MAIOR TRAGÉDIA DE NOSSAS VIDAS - Fabrício Carpinejar


 Fabrício Carpinejar


Morri em Santa Maria hoje. Quem não morreu? Morri na Rua dos Andradas, 1925. Numa ladeira encrespada de fumaça.

A fumaça nunca foi tão negra no Rio Grande do Sul. Nunca uma nuvem foi tão nefasta.

Nem as tempestades mais mórbidas e elétricas desejam sua companhia. Seguirá sozinha, avulsa, página arrancada de um mapa.

A fumaça corrompeu o céu para sempre. O azul é cinza, anoitecemos em 27 de janeiro de 2013.

As chamas se acalmaram às 5h30, mas a morte nunca mais será controlada.

Morri porque tenho uma filha adolescente que demora a voltar para casa.

Morri porque já entrei em uma boate pensando como sairia dali em caso de incêndio.

Morri porque prefiro ficar perto do palco para ouvir melhor a banda.

Morri porque já confundi a porta de banheiro com a de emergência.

Morri porque jamais o fogo pede desculpas quando passa.

Morri porque já fui de algum jeito todos que morreram.

Morri sufocado de excesso de morte; como acordar de novo?

O prédio não aterrissou da manhã, como um avião desgovernado na pista.

A saída era uma só e o medo vinha de todos os lados.

Os adolescentes não vão acordar na hora do almoço. Não vão se lembrar de nada. Ou entender como se distanciaram de repente do futuro.

Mais de duzentos e cinquenta jovens sem o último beijo da mãe, do pai, dos irmãos.

Os telefones ainda tocam no peito das vítimas estendidas no Ginásio Municipal.

As famílias ainda procuram suas crianças. As crianças universitárias estão eternamente no silencioso.

Ninguém tem coragem de atender e avisar o que aconteceu.

As palavras perderam o sentido.

domingo, 20 de janeiro de 2013

O preço da credibilidade nos blogs de jornais


Photograph: David Levene


Por Carlos Castilho


O maioria dos jornais adotou em massa a solução dos blogs autorais como forma de personalizar conteúdos informativos a baixo custo, mas agora os editores começam a ter dores de cabeça com a cobrança de rigor jornalístico por parte de leitores.
Este é o teor do desabafo do ombudsman do The Washington Post, Patrick Pexton, que constatou ser impotente a corrida dos autores de blogs em agir rápido para manter a fidelidade dos leitores, ao mesmo tempo em que as redações e os leitores cobram precisão, objetividade, isenção e ineditismo com base no patrimônio editorial da revista ou jornal.
Trata-se de um conflito de duas lógicas e que dificilmente será resolvido com base apenas nas normas vigentes nas redações. Os blogs têm uma dinâmica, um formato e um objetivo diferentes dos de uma reportagem, notícia ou comentário impressos.  A grande maioria dos blogs é um produto individual, enquanto o material de um jornal, revista, ou telejornal é resultante de um trabalho coletivo.   
Os blogs precisam ter uma alta rotatividade de textos para manter a fidelidade de seus leitores porque espaços muito grandes entre uma atualização e outra abrem a possibilidade de que o usuário seja atraído por outro blog. A narrativa dos blogs também é muito mais informal e coloquial do de uma notícia de jornal. Idealmente, eles seriam conversas entre o autor e os leitores, ao contrário dos textos impressos, que funcionam mais como comunicados.
Finalmente temos a questão do objetivo, pois os blogs vivem mais da informação segmentada e do comentário opinativo do que de uma pauta geral e ampla, como a de um jornal diário.
Essas diferenças fazem com que não seja possível avaliar um blog com a mesma régua usada pelos leitores para medir as informações de um jornal. Mas a cultura predominante na audiência da imprensa escrita e dos veículos audiovisuais ainda é a do século 20. Daí a cobrança de uma exatidão, isenção e credibilidades impossíveis de serem alcançadas pelos blogs.
Os blogueiros são hoje uma solução e um problema para a maioria dos jornais. Solução porque permitem diversificar, dinamizar e personalizar o cardápio informativo do veículo. Um problema porque nem o autor e nem a redação conseguem conferir no detalhe todas as informações publicados no blog, quando ele está hospedado num jornal ou revista.
O próprio ombusdman do The Washington Post reconhece que a checagem detalhada das informações inseridas num blog obrigaria o seu autor e publicar em média um texto a cada 15 dias, o que segundo os entendidos é a rota mais curta para a perda de leitores. Assim, a convivência com o erro é inevitável e só pode ser tolerada se for entendida pelos leitores como um esforço para chegar à credibilidade e não como a expressão acabada da verdade.
Os leitores não terão outra alternativa senão desenvolver as suas próprias técnicas de leitura críticapara poder comparar blogs e identificar seus erros ou deficiências. Implica uma atitude mais ativa do que o comportamento passivo imposto pela impossibilidade de interagir mais intensa e rapidamente com as redações convencionais.
As redações, por seu lado, estão descobrindo na prática como é difícil, quase impossível, manter o férreo controle do produto editorial de um veículo impresso ou audiovisual. Quando as redações eram grandes, o controle ainda era possível, mas com a crise elas foram reduzidas quase “ao osso”, justo no momento em que a oferta informativa passou a crescer freneticamente.
A solução do dilema entre a rapidez e a exatidão só pode ser alcançada se o conteúdo de blogs e jornais for avaliado em seu contexto especifico, levando em conta as exigências comuns de credibilidade, exatidão, relevância e pertinência. Não se trata de ser mais tolerante com os erros de blogueiros, porque em matéria de credibilidade o leitor tem toda a razão ao exigir tolerância zero. Mas também não adianta cobrar o impossível.
Uma possibilidade é ver os blogs como algo parcial, fluido, incompleto e diverso. Um insumo para análise e reflexão mais do que um padrão a ser seguido. Ver os blogs como um conjunto, onde as partes podem ser contraditórias e conflitantes. Avaliá-los como se fossem intervenções num debate público em que cada leitor tira depois as suas conclusões pessoais.
no 

Garrincha Eterno


«Se há um deus que regula o futebol, esse deus é sobretudo irônico e farsante, e Garrincha foi um de seus delegados incumbidos de zombar de tudo e de todos, nos estádios.»
Carlos Drummond de Andrade


musica: Quando eu for eu vou sem pena - Paulo Vanzolini

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

O coração risonho (Animação)




Animação baseada no poema 'The Laughing Heart'. A narração ficou por conta de Tom Waits e a animação em si por conta de Bradley Bell. Legendado pelo Blog Velho Bukowski.


The Laughing Heart

Sua vida é a sua vida.
Não deixe que ela seja esmagada na fria submissão.
Esteja atento.
Existem outros caminhos.
E em algum lugar, ainda existe luz.
Pode não ser muita luz, mas ela vence a escuridão.
Esteja atento.
Os deuses vão lhe oferecer oportunidades.
Conheça-as.
Agarre- as.
Você não pode vencer a morte, mas você pode vencer a morte durante a vida, às vezes.
E quanto mais você aprender a fazer isso, mais luz vai existir.
Sua vida é a sua vida.
Conheça-a enquanto ela ainda é sua.
Você é maravilhoso, os deuses esperam para se deliciar em você.
Charles Bukowski

Frases : Charles Bukowski



Frases:

"Nunca me senti só. Gosto de estar comigo mesmo. Sou a melhor forma de entretenimento que posso encontrar.”

"Não, eu não odeio as pessoas. Só prefiro quando elas não estão por perto."

"Cheguei numa fase da minha vida que vejo que a única coisa que fiz até agora foi fugir, fugir de mim mesmo, do meu nada, e agora não tenho mais para onde ir, nem sei o que vou fazer, fui péssimo em tudo."
"Me sinto bem em não participar de nada. Me alegra não estar apaixonado e não estar de bem com o mundo. Gosto de me sentir estranho a tudo..."
"A vida me fode, não nos damos bem. Tenho que comê-la pelas beiradas, não tudo de uma vez só. É como engolir baldes de merda."

"Existem coisas piores que estar sozinho
mas geralmente leva decadas para entender isso
e quase sempre quando você entende é tarde demais.
E não há nada pior que tarde demais."

"Eu estava longe de ser uma pessoa interessante. Não queria ser uma pessoa interessante, dava muito trabalho. Eu queria mesmo um espaço sossegado, e obscuro pra viver a minha solidão; por outro lado, de porre, eu abria o berreiro, pirava, queria tudo, e não conseguia nada."

"Gostava mais quando conseguia imaginar grandeza nos outros, mesmo que nem sempre houvesse."

"De algum modo, sentia que estava ficando meio maluco. Mas sempre me sentia assim. De qualquer forma, a insanidade é relativa. Quem estabelece a norma?"

"Um intelectual é um homem que diz uma coisa simples de uma maneira difícil; um artista é um homem que diz uma coisa difícil de uma maneira simples."

"O problema com o mundo é que as pessoas inteligentes estão cheias de dúvidas, enquanto os estúpidos estão cheios de confiança."

"Quando a gente acha que chegou no fundo do poço, sempre descobre que pode ir ainda mais fundo. Que escrotidão."

"Literatura é que nem mulher: quando não presta, nem vale a pena perder tempo."

"..sabia que tinha alguma coisa fora do lugar em mim. Eu era uma soma de todos os erros: bebia, era preguiçoso, não tinha um deus, idéias, ideais, nem me preocupava com política. Eu estava ancorado no nada, uma espécie de não-ser. E aceitava isso."

"Quanto mais o tempo passa, menos eu significo pras pessoas e menos elas significam pra mim."

"Bem, todos morrem um dia, é simples matemática. Nada de novo. A espera é que é um problema."

"O indivíduo bem equilibrado é insano."

"O mundo inteiro é um saco de merdas se rasgando. Não posso salvá-lo. Sei que nos movemos em direção à miragem, nossas vidas são desperdiçadas, como as de todo mundo. Eu sei que nove décimos de mim já morreram, mas eu guardo o décimo restante como uma arma."

"Quando era jovem, eu vivia deprimido. Mas, agora, o suicídio não era mais uma saída pra mim. É o que parecia. Na minha idade, já não sobrava muito que matar."

"Advogados, médicos, bombeiros mecânicos, eles é que ficavam com a grana toda. Escritores? Os escritores morriam de fome. Os escritores se suicidavam. Os escritores enloqueciam."

"Posso viver sem a grande maioria das pessoas. Elas não me completam, me esvaziam."

"Não há nada que ensine mais do que se reorganizar depois do fracasso e seguir em frente."

"Nunca espere demais, da sorte ou dos outros, no fim não há quem não decepcione você."

"Beleza não vale nada e depois não dura. Você nem sabe a sorte que tem de ser feio. Assim quando alguém simpatiza contigo, já sabe que é por outra razão."

"Eu continuo me perguntando porque me preocupo quando ninguém mais se importa."

"Estávamos todos juntos nisso. Todos juntos num grande vaso cheio de merda. Não havia escapatória. Todos desceríamos juntos com a descarga."

"É, eu sou o herói, o mito. Sou o não mimado, o que não se vendeu. Minhas cartas são vendidas por 250 dólares lá no leste. E eu não consigo comprar um saco de peidos."

"A verdade é que somos umas monstruosidades. Se pudéssemos nos ver de verdade, saberíamos como somos ridículos com nossos intestinos retorcidos pelos quais deslizam lentamente as fezes... enquanto nos olhamos nos olhos e dizemos: 'Te amo'. Fazemos e produzimos uma porção de porcarias, mas não peidamos perto de uma pessoa. Tudo tem um fio cômico."

"As pessoas apaixonadas, em geral, se tornam impacientes, perigosas. Perdem o senso de perspectiva. Perdem o senso de humor. Ficam nervosas, tornam-se chatas, psicóticas. Podem virar assassinas."

"O amor é pros que aguentam a sobrecarga psíquica."

"Se você está perdendo sua alma e você sabe disso, então você ainda tem uma alma a perder."

"Eu gostava do lugar, tinha grandes árvores que davam sombra, e desde que algumas pessoas haviam me dito que eu era feio, sempre preferia a sombra ao sol, a escuridão à luz."

"Os melhores geralmente morrem por suas próprias mãos apenas para escapar e aqueles que ficam pra trás nunca conseguem compreender por que alguem iria querer escapar deles."

"Humanidade/bondade, nunca existiu nada disso desde o inicio."

"Os grandes homens são sempre os mais solitários."

"(...) era isso que eles queriam: Mentiras. Mentiras maravilhosas. Era disso que precisavam. As pessoas eram idiotas, seria fácil pra mim assim."

"Sem ambição, sem talento, sem sorte. O que me mantinha fora da sarjeta era pura sorte, e a sorte jamais durava."
"De alguma forma, nunca consegui me ajustar na sociedade. Não gosto da humanidade. Não tenho o menor desejo de me ajustar, nenhum senso de lealdade, nenhum objetivo de fato."

"Às vezes, me sinto como se estivéssemos todos presos num filme. Sabemos nossas falas, onde caminhar, como atuar, só que não há uma câmera. No entanto, não conseguimos sair do filme. E é um filme ruim."

"Estar sozinho nunca me pareceu certo. Às vezes me senti bem, mas isso nunca me pareceu certo."

"O que eu odeio é que algum dia tudo se reduzirá a nada, os amores, os poemas. Acabaremos recheados de terra como um taco barato. Que coisa mais triste, tudo é tão triste - a gente passa a vida inteira feito bobo pra depois morrer que nem besta."

"Não há nada a lamentar sobre a morte, assim como não há nada a lamentar sobre o crescimento de uma flor. O que é terrível não é a morte, mas as vidas que as pessoas levam ou não levam até a sua morte."

"A maior parte do mundo estava doida. E a parte que não era doida era furiosa. E a parte que não era doida nem furiosa era apenas idiota."

"As pessoas eram limitadas e cuidadosas, todas iguais. E eu teria que viver com esses putos pelo resto de minha vida, pensava."

"Raramente encontro uma pessoa rara ou interessante. É mais que perturbador, é um choque constante."

"As garotas pareciam legais a certa distância, o sol resplandecendo em seus vestidos, em seus cabelos. Mas vá se aproximar e ouvir seus pensamentos escorrendo boca afora, você vai sentir vontade de cavar um buraco ao sopé de uma colina e se entrincheirar com uma metralhadora."

"Nós nascemos assim, nisso: Nos hospitais que são tão caros, que são baratos para morrer; num país onde as cadeias estão cheias e os hospícios estão fechados; num lugar onde as massas elevam idiotas em heróis ricos."

"Sou apenas um bloco de pedra para mim mesmo. Quero ficar dentro desse bloco, sem ser perturbado. Foi assim desde o começo. Resisti a meus pais, resisti à escola e depois resisti a tornar-me um cidadão decente. O que quer que eu fosse, fui desde o começo. Não queria que ninguém mexesse com isso. E ainda não quero."

"Gente estúpida misturada com gente estúpida. Que se estupidifiquem entre eles."

"Minha única ambição é não ser nada, me parece a coisa mais sensata."

Charles Bukowski

Estilo – Por Charles Bukowski


quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

A Velha Amiga - Rachel de Queiroz



A Velha Amiga 

Conversávamos sobre saudade. E de repente me apercebi de que não tenho saudade de nada. Isso independente de qualquer recordação de felicidade ou de tristeza, de tempo mais feliz, menos feliz. Saudade de nada. Nem da infância querida, nem sequer das borboletas azuis, Casimiro.
Nem mesmo de quem morreu. De quem morreu sinto é falta, o prejuízo da perda, a ausência. A vontade da presença, mas não no passado, e sim presença atual.

Saudade será isso? Queria tê-los aqui, agora. Voltar atrás? Acho que não, nem com eles.

A vida é uma coisa que tem de passar, uma obrigação de que é preciso dar conta. Uma dívida que se vai pagando todos os meses, todos os dias. Parece loucura lamentar o tempo em que se devia muito mais.

Queria ter palavras boas, eficientes, para explicar como é isso de não ter saudades; fazer sentir que estou expirimindo um sentimento real, a humilde, a nua verdade. Você insinua a suspeita de que talvez seja isso uma atitude.

Meu Deus, acha-me capaz de atitudes, pensa que eu me rebaixaria a isso? Pois então eu lhe digo que essa capacidade de morrer de saudades, creio que ela só afeta a quem não cresceu direito; feito uma cobra que se sentisse melhor na pele antiga, não se acomodasse nunca à pele nova. Mas nós, como é que vamos ter saudades de um trapo velho que não nos cabe mais?

Fala que saudade é sensação de perda. Pois é. E eu lhe digo que, pessoalmente, não sinto que perdi nada. Gastei, gastei tempo, emoções, corpo e alma. E gastar não é perder, é usar até consumir.

E não pense que estou a lhe sugerir tragédias. Tirando a média, não tive quinhão por demais pior que o dos outros. Houve muito pedaço duro, mas a vida é assim mesmo, a uns traz os seus golpes mais cedo e a outros mais tarde; no fim, iguala a todos.

Infância sem lágrimas, amada, protegida. Mocidade - mas a mocidade já é de si uma etapa infeliz. Coração inquieto que não sabe o que quer, ou quer demais.

Qual será, nesta vida, o jovem satisfeito? Um jovem pode nos fazer confidências de exaltação, de embriaguez; de felicidade, nunca. Mocidade é a quadra dramática por excelência, o período dos conflitos, dos ajustamentos penosos, dos desajustamentos trágicos. A idade dos suicídios, dos desenganos e, por isso mesmo, dos grandes heroísmos. É o tempo em que a gente quer ser dono do mundo - e ao mesmo tempo sente que sobra nesse mesmo mundo. A idade em que se descobre a solidão irremediável de todos os viventes. Em que se pesam os valores do mundo por uma balança emocional, com medidas baralhadas; um quilo às vezes vale menos do que um grama; e por essas medida, pode-se descobrir a diferença metafísica que há entre uma arroba de chumbo e uma arroba de plumas.

Não sei mesmo como, entre as inúmeras mentiras do mundo, se consegue manter essa mentira maior de todas: a suposta felicidade dos moços. Por mim, sempre tive pena deles, da sua angústia e do seu desamparo. Enquanto esta idade a que chegamos, você e eu, é o tempo da estabilidade e das batalhas ganhas. Já pouco se exige, já pouco se espera. E mesmo quando se exige muito, só se espera o possível. Se as surpresas são poucas, poucos também os desenganos.

A gente vai se aferrando a hábitos, a pessoas e objetos. Ai, um um dos piores tormentos dos jovens é justamente o desapego das coisas, essa instabilidade do querer, a sede do que é novo, o tédio do possuído.

E depois há o capítulo da morte, sempre presente em todas as idades. Com a diferença de que a morte é a amante dos moços e a companheira dos velhos.

Para os jovens ela é abismo e paixão. Para nós, foi se tornando pouco a pouco uma velha amiga, a se anunciar devagarinho: o cabelo branco, a preguiça, a ruga no rosto, a vista fraca, os achaques. Velha amiga que vem de viagem e de cada porto nos manda um postal, para indicar que já embarcou.



(Crônica publicada no jornal "O Estado de São Paulo" - 13/01/2001)
Rachel de Queiroz

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

AMAR! - Florbela Espanca




AMAR!

Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui... além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente...
Amar! Amar! E não amar ninguém!
Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!
Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!
E se um dia hei de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...

Florbela Espanca

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Soneto






"Para onde fores, Pai, para onde fores,
Irei também, trilhando as mesmas ruas...
Tu, para amenizar as dores tuas,
Eu, para amenizar as minhas dores!
Que coisa triste! O campo tão sem flores,
E eu tão sem crença e as árvores tão nuas
E tu, gemendo, e o horror de nossas duas
Mágoas crescendo e se fazendo horrores!
Magoaram-te, meu Pai?! Que mão sombria,
Indiferente aos mil tormentos teus
De assim magoar-te sem pesar havia?!
-- Seria a mão de Deus?! Mas Deus enfim
É bom, é justo, e sendo justo, Deus,
Deus não havia de magoar-te assim!"

Augusto dos Anjos


Fonte: 
ANJOS, Augusto dos. Eu e outras poesias. 42. ed. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 1998.