Paul Gauguin - "Le Christ jaune (O Cristo Amarelo"), 1889 - óleo sobre tela, 91,1-73,4 cm. - Albright-Knox Art Gallery, Buffalo
Sensacionalista, manipulador da realidade e astuto na autopromoção: é assim que mostra em Londres, na Tate Modern, vai revelar o gênio
Ele era um mentiroso e um manipulador descarado da realidade e também um astuto promotor de si mesmo, o tipo de usuário consciente da tática de choque que poderíamos associar a uma moderna geração de artistas. Esse é o Paul Gauguin que será revelado na Tate Modern neste outono, quando o museu montar a primeira grande exposição dedicada a ele em 50 anos, na Grã-Bretanha. Um terço ou mais das 100 obras será visto em Londres pela primeira vez, quando a mostra abrir em 30 de setembro.
As obras mais famosas são, é claro, suas visões sensuais do Taiti. Os curadores vão provar como as pinturas do Taiti tecem outro tipo de mitologia, por vezes remetendo com sensacionalismo aos modos e morais "primitivos" da Oceania que já eram, por volta dos anos 1890, memórias distantes ou, na verdade, meras fantasias.
Por exemplo, as curadoras asseguram que suas lindas jovens seminuas oferecendo travessas de frutas eram, em grande parte, produto da imaginação de Gauguin. Nessa época, o Taiti, uma colônia francesa, já havia sido amplamente mudado por missionários.
Exploração. "Elas usavam batas e iam à igreja aos domingos", diz Belinda Thomson, curadora da exposição. Ela chamou a relação dele com suas amantes-modelos taitianas de "exploradora". Não eram "relações entre iguais, nem se poderia chamá-las propriamente de relações profissionais", afirma ela.
Em Parahi te Marae (1892), uma paisagem em que um ídolo resplandecente desponta, acima de um campo amarelo, rodeado por uma cerca trabalhada (forma colhida não de observações no local, mas de olhar objetos em museus parisienses), o artista sugere um ritual canibalístico - traço de um passado muito distante no Taiti. "Ele está reinventando a cena, jogando com os preconceitos de seu público", garante Belinda.
Em seu livro sobre o país, Noa Noa, Gauguin alegava que os mitos e lendas sobre a história da ilha lhe foram contados pela amante taitiana, Teha"amana. Na verdade, ele os conheceu no livro de 1837, Voyages aux Iles du Grand Océan, de J.A. Moerenhout.
Segundo Belinda Thomson, em seu fascínio pelo "primitivo", Gauguin não se diferenciava da visão comum na Europa do século 19, mas no emprego de táticas de choque - seu deliberado sensacionalismo da vida taitiana - ele se destacava. Embora as pinturas taitianas estejam entre suas obras mais reconhecíveis, a mostra Gauguin: Maker of Myth, aberta até 16 de janeiro, também examinará a sua produção fora desse período colorido.
Quatro pinturas feitas no fim da década de 1880 na Bretanha serão reunidas pela primeira vez. Essas obras - O Cristo Amarelo, O Cristo Verde, Autorretrato como Cristo no Jardim das Oliveiras e Visão Após o Sermão - trazem o pintor num período anterior, já no negócio de explorar mito, fábula e uma grande dose dos próprios preconceitos sobre o povo bretão para criar obras com um conteúdo narrativo intrigante.
Em La Perte du Pucelage - "perda da virgindade" - ele sobrepôs motivos, alusões e símbolos para sugerir uma espécie de narrativa. Uma mulher está deitada no primeiro plano, nua, com uma raposa. No fundo, é vista uma procissão nupcial bretã.
"De um lado é uma espécie de versão bretã da pintura Olímpia, de Édouard Manet. De outro, há a superposição de simbolismo e elementos do folclore bretão, com a raposa como o sedutor maligno", afirma ainda Belinda. "Ele também jogou com certos aspectos da vida bretã: a intensidade supersticiosa da fé, por exemplo."
A curadora Christine Riding diz: "Ele as pinta de maneira decorativa e pueril e não se tem uma sensação da aspereza da vida bretã." O Cristo Amarelo, por exemplo, mostra Jesus crucificado numa paisagem bretã; embaixo da cruz estão três mulheres rezando ajoelhadas, vestindo tradicionais toucas bretãs.
Mitologia. Gauguin também criava mitologia sobre ele próprio: no Autorretrato como Cristo no Jardim das Oliveiras ele pinta a si mesmo como Jesus antes da crucificação: isolado, traído. E Belinda explica: "É a declaração extrema do artista como criador."
Christine Riding acrescenta: "Era um supermanipulador da sua identidade artística e tecia mitos elaborados em torno de si mesmo." Gauguin foi um corretor de valores e o que ela chamou de "um pintor de domingo" antes de assumir a arte em tempo integral, após crise econômica nos anos 1880 em decorrência do colapso de um banco francês. Ele era em grande medida um autodidata, que usava a arte que havia colecionado quando era corretor, incluindo Pissaros e Cézannes, para estudar.
Fonte : - O Estado de S.Paulo / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA
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