Nem te conto...
- O quê?
(O casal estava no carro, voltando de uma festa na casa de amigos. Marjori e Mário Luiz, idade entre 35 e 40, classe B, B e meio, por aí.)
- Eu fui no banheiro...
- Eu vi.
- Você viu? Você passa o tempo todo me cuidando, Mário Luiz?
- Não, Marjori. Você tinha bebido e eu achei que você estivesse passando mal.
- Eu quase não bebi e não estava passando mal. Fui fazer xixi.
- Está bem, está bem. O que você ia contar?
- Eu estava perfeitamente sóbria. Aliás, acho que era a única pessoa sóbria na festa.
- Está certo! Agora conta.
- Você sabe que o assento da privada no lavabo da Celinha é acolchoado?
- Acolchoado?
- E não só isso. O acolchoado é zebrado.
- Como, zebrado?
- Zebrado! O tecido que cobre o acolchoado tem um padrão de zebra. Preto e branco.
- E daí?
- Como "e daí", Mário Luiz? O que é que isso te diz?
- Não me diz nada. Acho até bem bolado. Não há razão pra gente não ficar confortável quando...
- Mário Luiz! Era no lavabo. Se fosse no banheiro da suíte deles, vá lá. Não me interessa o que a Celinha e o Germano têm no banheiro deles. Mas isto era no lavabo, no banheiro das visitas. A Celinha estava fazendo uma declaração pública. Aquilo é uma mensagem ostensiva da Celinha para quem vai na casa dela.
- Então: uma gentileza dela pras visitas. Pro bumbum das visitas.
- Você não acha um acinte? Quase uma provocação?
- Por que?
- Francamente, Mário Luiz. Eu me lembro quando você ficou indignado com o cortador de cabelinho do nariz que a Flávia trouxe da Europa pro Mingão.
- O cortador de cabelinho do nariz era de ouro. O assento da privada é de quê? Espuma? No máximo de espuma.
- E o simbolismo da coisa?
- Simbolismo de quê? Da decadência do Ocidente? Do ponto em que chegou a alienação da elite brasileira? E você não pensou que podia ser kitsch de propósito?
- O que é kitsch de propósito?
- É quando alguém faz alguma coisa como forrar o assento da privada com um acolchoado zebrado sabendo que é kitsch e esperando que os outros entendam que o kitsch é de propósito, e achem graça. Você simplesmente não entendeu o assento da privada da Celinha, Marjori.
- Como você mudou, hein Mário Luiz.
- Eu mudei?
- E pensar que nós nos conhecemos num congresso de estudantes em Cuba.
- Marjori...
- Francamente, Mário Luiz!
fonte; Estadão.com.br
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