Era uma vez crianças que contavam histórias para gente grande
"Era Outra Vez", que chega este mês às livrarias, traz histórias de criança... para adulto ler
Mariana de Queiroz
Aquela tradição de gente grande ler contos de fadas para as crianças não existe aqui. Em Era Outra Vez (Companhia das Letras, 88 páginas, R$ 30), que chega esta semana às livrarias, as crianças tomam a liderança e os adultos têm que escutar.
Lívia Garcia-Roza, duas vezes indicada ao Prêmio Jabuti, traz contos de fada ao contexto atual em 13 histórias bem humoradas. Num mundo cheio de pais desatenciosos, adultos impacientes e irmãos cruéis, as crianças surpreendem com mais maturidade que gente grande.
A autora, em um breve bate-papo com ÉPOCA, falou sobre como seu castigo num colégio só para meninas a ajudou a enxergar o mundo sob um ponto de vista infantil... e a colocar isso num livro.
ÉPOCA - De onde surgiu a idéia de escrever contos de fadas para adultos?
Lívia Garcia-Roza - Durante muito tempo, interpretei a mãe-fantasma na peça Pluft e ela ficou como um registro carinhoso dentro de mim. Mas eu sempre ficava achando que a mãe-fantasma falava muito pouco. E como pode um fantasma vir para oo mundo apaixonado por uma humana e a mãe não dizer nada? Isso não dá! Quando ela diz "Pluft, você será sempre uma sombra ao lado dela", essa é uma bela metáfora para os casamentos. Quantos de nós, por não ouvir os pais, vamos atrás de ilusão! E o medo de ficar na sombra do outro é um fantasma que persegue a nós todos. Então pensei: "e se eu deslocar mais histórias de lugar? E se o espelho tiver algo a dizer sobre beleza? E se o Lobo Mau (que é tão fundamental para que as crianças saibam que a maldade existe) for apenas um injustiçado?" e então as histórias foram surgindo.
ÉPOCA - Seus contos provocam um olhar diferente sobre o mundo, infantil. Tem alguma mensagem por trás disso?
Lívia - Cada um de nós tem uma criança dentro de si, assim como um adolescente e um jovem. Eles não se perdem, mas se acumulam. É com essa criança que nos comunicamos quando fazemos terapia, por exemplo. É importante estar em contato com ela, fazê-la uma amiguinha feliz. Quando não nos incomoda, a nossa criança interna nos salva. Enquanto eu escrevia, fui descobrindo o olhar da criança dentro de mim, e a deixei falar. A minha idéia não foi passar mensagem alguma, mas se o livro atingir este fim, estarei muito feliz.
ÉPOCA - O que muda ao ler essas histórias sob um ponto de vista infantil? Que experiências a influenciaram?
Lívia - A criança tem um olhar "tabula rasa", não tem todas as impressões que vão nos marcando no decorrer da vida, então tudo a fascina. Eu fui interna de um colégio feminino certa vez, por castigo, e pude ver isso muito de perto nos olhos daquelas meninas em estado de solidão. Observei como encaravam seus medos e as graças que desenvolviam. Essa foi uma experiência muito rica e me ajudou muito na hora de adotar esse olhar das crianças. No final, isso foi um castigo maravilhoso.
ÉPOCA - Qual foi o conto mais difícil de escrever?
Lívia - Sherazade. A concepção dela foi difícil porque eu estava mexendo na história. Nós autores também somos Sherazades, contamos histórias para não morrer, assim como as meninas.
ÉPOCA - Você acha que sua obra é original? Se sim, qual é a originalidade dela?
Lívia - Uma amiga uma vez me disse que a minha grande originalidade era o endereçamento do meu livro. Os narradores são crianças, mas os temas são profundos, para adultos.
ÉPOCA - Desta vez será que você leva o Prêmio Jabuti de literatura?
Lívia - Não sei, estou batendo muito na trave... Mas uma hora a bola entra! (risos)
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