Então

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Contra o accordo orthographico


Cristovão Tezza

O cronista se sentiu solitário em meio à enxurrada de ataques ao acordo de unificação ortográfica, que todos chamam de reforma. Queria lembrar a literatura maravilhosa do nosso Valêncio Xavier, que nos seus textos extraía beleza do contraste de ortografias, como marcas do tempo. Mas seria inútil. Houve até quem reclamasse que não foi consultado. Um plebiscito sobre a reforma ortográfica seria a prova definitiva de que não devemos mais nada à Civilização Ocidental! Outros se declararam “novos analfabetos”. Até o trema, que os portugueses já haviam abolido em 1932, encontrou defensores por aqui– e depois os lusitanos da piada são eles!

O engraçado é que todos parecem perfeitamente dispostos a obedecer às novas regras, o que surpreende, já que a lei não prevê multas ao uso inadequado nas letras, ao contrário do que acontece em outras atividades cotidianas, como dirigir automóveis em alta velocidade ou pagar aluguel fora do prazo. E ainda dizem que o brasileiro só obedece à lei quando dói no bolso! Não vou nem me aproveitar da minha condição de mestre-escola para sussurrar que nessa grita se falou muita bobagem, como a ideia de que a mudança da ortografia muda a língua. Chegaram a perguntar: “E agora? Como vamos pronunciar as palavras?!” Gostamos tanto de obedecer à lei que pronunciamos “leitE quentE” só porque está escrito assim. Bem, tem o seu lado bom: aqui, vale a escrita. Não importa. Não vou mais defender a reforma. Ontem recebi um email – na verdade uma cartha mannuscripta, em lettras elegantes, sellada nos Correos e Telegraphos – que definitivamente encerrou o assumpto. Vou transcrevel-la tal como chegou até mim.


Estimmado cronista:

Soube pela Gazeta do Povo que o senhor defende a reforma orthographica. Fiquei devéras estarrecido. Leitor de seus bellos livros, plenos de ensinamentos, não comprehendo que justamente daquelle que tem na lingoagem o seu poder de communicação viesse tal defeza. Nem é preciso cathedra; qualquer alumno de lyceu percebe que a orthographia é a autenticca alma da Lingua Patria; que pela orthographia adentramo-nos na propria historia do Português. Que ella nos relembra o latim, idioma de origem que tanta falta faz nesses tempos incultos, para dizer o minimo. Também a civilização helennica se perde, vão-se os traços millenares de sua sabedoria, os thesouros da philosophia e da philologia. De reforma em reforma – reformar, comer e coçar, é só começar – acabaremos por destruir a sciencia da Lingua. Uma anarchia! Peor ainda será o custo – imaginemos todos os compendios que terão de ser reimpressos por conta desta insensatez. E mais: os professôres, como se ganhassem muito, ainda terão de estudar as regras e excepções para transmitil-las aos alumnos! (...)

Melhor ficar por aqui – até porque, passado um mês da reforma, ninguém mais se lembra dela. Ou della?

Cristovão Tezza é escritor e colonista da Gazeta do Povo

Um comentário:

Anônimo disse...

O ACCORDO ORTHOGRAPHICO É MUITO SEM SENTIDO, PORQUE NÃO ESCREVEMOS COMO OS PORTUGUESES ESCREVEM SUA ORTHOGRAPHIA, SE PARA ELLES NÃO É COMPLICADO PARA NÓS SERIA MENOS AINDA. PROMPTO.