Então

terça-feira, 1 de março de 2011

Annie Girardot.Imensa atriz, bela mulher. Por Sérgio Vaz


(Na foto, um de seus papéis mais impressionantes,
 em Rocco e Seus Irmãos, de Luchino Visconti, de 1960.)


Por Sérgio Vaz

Morreu Annie Girardot. Imensa atriz, bela mulher. Faz poucas semanas a revimos, linda, gloriosa, estupenda, em Viver por Viver, que Claude Lelouch fez em 1967, logo depois de Um Homem, Uma Mulher.
A notícia da morte dela está sendo muito comentada no Twitter; foi lá que Mary viu a notícia, e então me avisou. A informação não estava ainda nas primeiras páginas dos sites dos grandes jornais brasileiros. Em breve estará, é claro – o Twitter de fato é muito mais rápido.
Não pensei, a princípio, em fazer uma anotação sobre a morte de Annie Girardot. Mas a demora dos portais, e também o lead, o primeiro parágrafo do Le Monde, me levaram a tentar escrever alguma coisa.
Diz o lead do Monde: “Claude Lelouch, que a dirigiu várias vezes, rendeu homenagem à atriz, ‘talvez a maior atriz do cinema francês do após-guerra’, segundo ele. ‘Ela permanecerá minha mais bela lembrança como realizador e como homem’.”
Monde ouviu também Bertrand Blier, que a dirigiu em Merci la Vie, em 1990; Blier a lembra como “uma pessoa muito engraçada e dolorosa ao mesmo tempo”.  “Era cheia de emoção e sofrimento. Ela desmorona facilmente, como na festa dos Césars.” (O incidente será relatado um pouco abaixo.)
Annie Girardot alternou seu tempo entre o cinema e o teatro; no teatro, depois de se formar com honras no augusto Conservatoire, tornou-se membro da Comédie Française ainda em 1954, com apenas 23 anos – nasceu em Paris, a 25 de outubro de 1931. Depois de ver sua atuação em La Machine à Écrire, em 1956, Jean Cocteau a definiu como “o mais belo temperamento dramático do após-guerra” – interessante, uma expressão parecida com a usada agora por Lelouch, ao ser ouvido sobre sua morte.
No cinema, trabalhou tanto na França quanto na Itália, com alguns dos mais importantes diretores da história – além dos já citados Luchino Visconti, Claude Lelouch e Bertrand Blier, também Marcel Carné, Jean Delannoy, Mario Monicelli (Os Companheiros, lançado em DVD recentemente no Brasil), Marco Ferreri, André Cayatte.
Estreou no cinema em 1955, em Treize à Table, de André Hunebelle. Fez alguns filmes comerciais sem maior importância – o reconhecimento viria com Rocco e Seus Irmãos. Trabalhou muito, alternando grandes papéis e filmes medíocres, melodramas e comédias – o IMDb lista 160 filmes protagonizados pela atriz.
Nos anos 60 e 70, era uma das atrizes mais populares da França. Em 1977, ganhou o César de melhor atriz por Docteur Françoise Gailland. Mas, a partir de meados dos anos 80, enfrentou problemas pessoais e financeiros, e passou um período duríssimo. Sua carreira teve um recomeço quando recebeu mais um César, este como atriz coadjuvante, por seu papel em Os Miseráveis, uma visão extremamente pessoal de Lelouch do clássico de Victor Hugo. Foi na cerimônia de entrega do prêmio que Annie Girardot desatou a chorar, e fez um discurso emocionado e emocionante: “Não sei se fiz falta ao cinema francês, mas para mim, o cinema francês fez uma falta louca, imensa, dolorosa”.
Em 2002, ganharia seu terceiro César, o segundo como coadjuvante, pelo seu papel da mãe em A Professora de Piano/La Pianiste, de Michael Haneke.
“Seu verdadeiro potencial foi revelado como Nadia, a meretriz de Rocco i suoi Fratelli, de Visconti”, diz o livro Actor’s & Actresses, de James Vinson e diversos colaboradores, lançado pela editora inglesa Papermac em 1986. “Sua interpretação como a prostituta reformada mas abusada sexualmente sofrendo sua humilhação é comovente e forte. Outros filmes com importantes diretores italianos se seguiriam.”
Transcrevo um pouco mais do bom texto sobre Annie no livro, assinado por R.F. Cousins:
“A extensão da habilidade de Girardot pode ser vista na sempre crescente diversidade de seus papéis, variando de delicados estudos de mulheres como vítimas, passando por melodramas sentimentais e comédias românticas até a farsa aberta à francesa. Em Proie pour l’ombre, ela interpretou uma mulher de carreira dividida entre o marido e o amante; em Vivre pour Vivre, teve uma atuação dignificante, e pouco reconhecida, como uma mulher enganada que perdoa o marido; em La Vieille Fille, fez um retrato delicado de uma solteirona recatada que se apaixona; e, em Traitement de choc, fez uma mulher vulnerável cuja beleza começa a fenecer e que mata um médico corrupto, um papel que exigia uma atuação mais robusta, mais física.”
“Papéis românticos mais tradicionais a se notar foram o da divorciada em La Française et l’Amour, o de Fernande uma ex-dançarina de strip-tease agora levando uma vida mais tranquila (Le Bâteau d’Émile), o de Kay, que está descobrindo o amor em Trois Chambres à Manhattan, e o da vivaz Françoise em Un Homme qui me Plaît. Poderosas performances foram dadas como uma professora de meia-idade que cai no ostracismo e é levada ao suicídio após um caso com um aluno em Mourir d’aimer, e como uma mãe com desejos incestuosos em Le Coeur à l’envers.”
Em 2006, anunciou-se que Annie sofria da síndrome de Alzheimer.
Volto ao site do Le Monde, duas horas depois de saber da notícia da morte de Annie, e vejo que eles fizeram um novo título, depois do simples e direto “Annie Girardot est morte”: “Annie Girardot, la disparition d’une icône du cinéma français”. Ah, melhor assim. Mais digno da estatura da atriz.
Por aqui, o Estadão registra a morte em dois parágrafos, sem chamada na home page. O Globo dá matéria decente, embora sem chamada na capa. Não acho uma linha na Folhaonline. O UOL dá notícia de oito parágrafos, também sem chamada na home.
Annie Girardot mereceria um tratamento muito melhor. Mas talvez sejam os portais brasileiros que não mereçam mesmo Annie Girardot.
no 50 Anos de Textos  28/2/2011

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