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domingo, 6 de fevereiro de 2011

Detetives médicos descobrem sua primeira nova doença



Gina Kolata no The New York Times


Os problemas de saúde de Louise Benge começaram quando ela tinha 25 anos. Andar se tornou excruciante. Suas panturrilhas ficavam duras como pedras, e cada passo era uma agonia. Suas mãos também começaram a doer. E a condição, qualquer que fosse, só piorou ao longo das duas décadas seguintes.
O médico familiar de Benge em Mount Vernon, Kentucky (EUA), estava em dúvida, assim como um especialista vascular, um especialista em mãos e um especialista em rins. Suas duas irmãs e dois irmãos também tinham o problema, mas nenhum médico conseguia descobrir por quê.
Ficou claro a partir dos raios-X porque Benge mal podia andar: as veias de suas pernas, pés e mãos estavam acumulando depósitos de cálcio como as crostas que se formam nos canos de água. Os depósitos haviam ficado tão espessos que o sangue mal podia passar. Mas o cálcio estava apenas nas veias das pernas e mãos; as veias de seu coração haviam sido poupadas, então ela não corria nenhum perigo imediato de morrer.
Um médico prescreveu infusões semanais de um medicamento, o tiosulfato de sódio, disse Benge, pensando que ele pudesse se ligar ao cálcio para que seu corpo o expulsasse. Mas a droga não funcionou – só a fez vomitar.
Por fim, o médico familiar de Benge enviou o histórico médico da paciente para uma espécie de agência de detetivas, o Programa de Doenças Não Diagnosticadas nos Institutos Nacionais de Saúde. Criado em 2008, o programa conta com equipes de especialistas para usar as ferramentas mais avançadas da medicina e da genômica para tentar descobrir as causas de doenças que confundem os médicos.
A ideia é que entender doenças raras pode dar insights para as mais comuns, disse o Dr. William A. Gahl, diretor do programa.
E, segundo ele, há outra razão.
“Os pacientes que têm doenças raras costumam ser abandonados pela comunidade médica”, diz Gahl. “Não sabemos como tratá-los se não tivermos um diagnóstico. A forma como a sociedade trata os indivíduos abandonados revela como é nossa sociedade. Diz respeito a como nossa sociedade trata os mais pobres.”
Com Benge e seus irmãos, os pesquisadores tiveram sua primeira doença recém-descoberta. Ela é causada, conforme dizem eles num artigo do “The New England Journal of Medicine” na quinta-feira, por uma mutação de um gene que evita que o cálcio se deposite nas veias.
Agora que eles sabem a causa da doença, os pesquisadores têm ideias de como tratá-la. E a descoberta também tem implicações para doenças mais comuns, como a doença cardíaca ou a osteoporose, nas quais o cálcio é depositado de forma inapropriada.
O desvendar da doença misteriosa de Benge começou na semana de 11 de maio de 2009, quando Benge, que tem 56 anos, e sua irmã Paula Allen, de 51, chegaram no centro clínico de tijolos à vista no campus dos Institutos Nacionais de Saúde.
O Escritório de Doenças Não Diagnosticadas havia ouvido falar de milhares de pacientes, disse Gahl, 1.700 dos quais enviaram seus registros médicos. “Muitos deles tinham ido ao Hopkins, à Clínica Mayo, e à Clínica Cleveland, e alguns haviam até passado pelos três mais de uma vez”, disse ele.
Gahl e seus colegas estavam buscando pessoas com sintomas incomuns ou pistas incomuns sobre o que poderia estar errado. Por exemplo, eles estão investigando agora uma doença misteriosa numa jovem que tem contrações musculares involuntárias que dificultam que ela fale, ande e use as mãos; ou a doença de um menino que se parece com Parkinson; e outra que faz com que uma mulher de meia-idade tenha fragmentos de queratina, uma proteína dos cabelos, saindo de seus folículos pilosos.
Benge e sua irmã tinham sintomas que ninguém mais tinha visto. Os raios-X e imagens de ressonância magnética de suas pernas, mãos e pés mostravam que as veias estavam tão entupidas com cálcio que o sangue só conseguia passar espremendo-se em veias menores que cresceram para ultrapassar os bloqueios. E essas veias pequenas simplesmente não eram capazes transportar sangue suficiente.
Como havia cinco irmão afetados, os pesquisadores decidiram por uma abordagem genética. Usando técnicas indisponíveis na maioria dos centros médicos. Os pais estavam bem, e isso indicava que a doença poderia ser causada por um gene recessivo – cada pai teria apenas uma cópia do gene mutado e uma cópia do gene intacto, e cada filho com a doença teria duas cópias do gene mutado, uma herdada do pai e outra da mãe.
Isso levou os investidores a esticarem um DNA de 92 genes. A partir dali, os pesquisadores descobriram o gene que era culpado. Uma mutação havia feito ele parar de funcionar.
As células usam o gene para produzir adenosina extracelular, um composto comum que nesse caso era necessário para suprimir a calcificação. Ninguém sabia sobre esse caminho metabólico, disse o médico Manfred Boehm, biólogo vascular do Instituto de Saúde Nacional, Pulmão e Sangue.
A descoberta é muito importante, disse o Dr. Dwight Towler, endocrinologista ósseo da Universidade de Washington em St. Louis, que não fez parte do estudo, porque ele pode ajudar os pesquisadores a entenderem os sinais da calcificação em diferentes partes do corpo.
“Você percebe que eles não tem problemas em todos os lugares”, disse ele sobre Benge e seus irmãos. Isso é porque a calcificação dos ossos e a formação das veias são muito coordenadas, e diferentes partes do corpo usam mecanismos semelhantes, embora sutilmente distintos.
A doença também se encaixa com o maior conhecimento sobre a relação próxima entre as veias e as células ósseas. Os pesquisadores dizem que ela pode levar a novos insights para as doenças cardíacas, nas quais o cálcio se deposita nas artérias coronárias, e doenças das válvulas cardíacas, na qual o cálcio pode se depositar nas válvulas do coração. Às vezes, diz Towler, até ossos, com medula, formam-se nas válvulas.
Ela também pode ajudar a elucidar a relação entre a osteoporose, na qual há perda de osso, e a doença cardíaca. Na osteoporose, à medida que as pessoas perdem osso, o cálcio costuma se acumular nas artérias. É como se o cálcio que não está sendo depositado nos ossos acabe indo para as veias.
Os pesquisadores identificaram até agora nove pessoas de três famílias que têm a doença recém-descoberta: a família de Benge, um paciente em San Francisco e uma família na Iátlia. Agora eles estão trabalhando nos tratamentos. O mais simples pode ser dar um biofosfonato, uma droga para a osteoporose. Com a mutação genética e os menores níveis de adenosina, os pacientes terminam com altos níveis de uma enzima, a fosfatase alcalina, necessária para fazer os depósitos de cálcio. Os biofosfonatos voltam a baixar os níveis dessa enzima.
Os pesquisadores estão fazendo planos para testar biofosfonatos e submetê-los aos comitês de ética para aprovação.
“Esperamos saber em três ou quatro meses se podemos ir adiante”, disse Gahl.
Tradução: Eloise De Vylder

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