Então

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Texto atualíssimo de Guerra Junqueiro "Pátria", 1896.



Apesar de escrito em 1896 este texto de Guerra Junqueiro não perde atualidade ao caracterizar a sociedade 



Leiam e vejam se não é verdade:



"Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta.



Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira a falsificação, violência ao roubo, donde provem que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis.



Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este,finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País. [.] A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas; Dois partidos [.] sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, [.] vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se malgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar."




Guerra Junqueiro, "Pátria", 1896.






Breve Biografia de Guerra Junqueiro




Abílio Manuel de Guerra Junqueiro nasceu em 1850 em Freixo-de-Espada-à-Cinta (Trás-os-Montes), frequentou a faculdade de Teologia entre 1866 e 1868, que abandonou para se formar em Direito, em Coimbra (1868-1873).
Foi Secretário-Geral dos Governos-Úteis de Angra do Heroísmo e de Viana do Castelo. Mais tarde, foi deputado do partido progressista, aderindo ao partido republicano após o ultimato Inglês (1890). Depois da implementação da República, foi ministro de Portugal em Berna (Suiça), entre 1911 e 1924.



Como escritor, estreou-se com duas páginas numa série de poemas ainda influenciados pelo Ultra-Romantismo.
Posteriormente, veio a ser o “poeta panfletário” mais popular da sua época, visto estar ligado ao grupo dos "Vencidos da Vida" (formado por Guerra Junqueiro, Oliveira Martins e Antero de Quental, entre outros).
Guerra Junqueiro é caracterizado pelas sátiras violentas, quer ao clero (A Velhice do Padre Eterno), quer à dinastia de Bragança (Finis Patrea). É ainda conhecido pelo seu extraordinário sentido de caricatura.
A vida rural inspirou-lhe Os Simples (obra que lhe deu maior sucesso), uma poesia que invoca a sua infância com recordações calmas e consoladoras.

3 comentários:

Doralice Araújo disse...

Obrigada pela providencial ajuda; a literatura, quando bem feita, é atemporal - e os leitores do Na Mira terão a oportunidade de conhecer um pouco de Guerra Junqueiro, graças ao interativo trabalho blogueiro, silencioso e reflexivo, mas atuante e necessário.

Receba o meu abraço e conte com a minha leitura frequente.

Rosmari disse...

Acho teu blog super interessante. muito culto. Estou te seguindo.
quando puder me visite.
um abraço

antonio vasco saraiva da silva disse...

Estes partidos que nos tem governado ao lerem isto deviam ter vergonha
tao actual como ja naquela altura ele descreve aquilo que somos
passados estes anos nada mudou por isso mesmo que aparecem outros eluminados nao creio que seja para mudar esta nossa forma de viver