Então

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Vargas Llosa fala sobre 'Sabres & Utopias'





Professor convidado da Universidade de Princeton, nos EUA, escritor peruano lança coletânea de textos

Laura Greenhalgh
Aos interessados avisa-se: Mario Vargas Llosa mudou-se temporariamente para a sala de aula. Mal desfez a bagagem que levou para Nova York, onde residirá nos próximos meses em companhia da mulher, Patricia, e já se apresentou aos alunos da Universidade de Princeton, abrindo o ano letivo como professor-convidado de dois cursos: um sobre técnicas do romance, outro sobre Jorge Luis Borges, uma das suas mais intensas predileções literárias, por quem admite nutrir "paixão secreta e pecaminosa". Aos 74 anos, Vargas Llosa parece animado com a convocação acadêmica, uma dentre as várias que já cumpriu tanto na Europa quanto nos Estados Unidos. Pondera que a rotina de professor pesa pela burocracia dos departamentos, mas que debater, debater e debater com alunos está entre as boas coisas da vida. A rapaziada de Princeton não perde por esperar: vai acabar entendendo por que Borges, criticado por certo "europeísmo", foi tão profundamente argentino. E quem sabe descobrirá por que o texto borgiano pode ser reconhecido de ouvido, como costuma frisar o professor recém-instalado no câmpus.
Mas se esses alunos quiserem mesmo conhecer a fundo o pensamento do novo mestre, deveriam ler um volume que chega nesta segunda-feira às livrarias brasileiras, lançado pela editora Objetiva. Trata-se de Sabres & Utopias - Visões da América Latina, seleção de ensaios, artigos e documentos organizada pelo colombiano Carlos Granés, doutor em Antropologia Social e expert na obra de Vargas Llosa. Em cinco grandes capítulos, Granés aglutina textos de modo a percorrer o itinerário intelectual (e político) deste peruano considerado um dos grandes escritores de língua espanhola, agraciado com prêmios literários importantes, entre eles, Cervantes, Príncipe de Asturias, PEN/Nabokov, Cavour, e também colaborador do Estado.
A amarração da obra pelo organizador tornou-se firme a ponto de prescindir do ordenamento cronológico. "Nada tenho a ver com a seleção dos meus textos em Sabres & Utopias", reconhece Vargas Llosa nesta entrevista concedida por telefone, de Nova York. "Mas as escolhas foram muito bem-feitas, posso assegurar." Assim, ao rever escritos produzidos ao longo de décadas, parte deles publicada em periódicos, tem-se o retrato do intelectual que se desencanta com a esquerda latino-americana, cria ojeriza aos regimes totalitários, torna-se defensor intransigente da liberdade de pensamento e expressão, converte-se ao liberalismo econômico e, amando e odiando seu país de origem, assume que "ser peruano é doença incurável".
Quando se tem oportunidade de comparar o texto de Vargas Llosa com a prosa solta, ao vivo, ainda que numa conversa telefônica, não fica difícil perceber que o primeiro é sempre mais afiado. Na entrevista que se segue, o autor de clássicos como Conversa na Catedral, Pantaleão e as Visitadoras ou Tia Júlia e o Escrevinhador é capaz de zombar de si mesmo como político profissional - "nunca foi minha vocação", admite - e nem vocifera ao criticar o que chama de regimes liberticidas - "estou esperançoso, a ditadura castrista está dando seus últimos bocejos. Dura enquanto Fidel durar", calcula. Demonstra tranquilidade em relação ao triunfo da democracia, como uma espécie de destino inescapável, e parece não se incomodar com as críticas que lhe fazem setores da intelligentsia latino-americana e mesmo europeia: "Uma coisa que a esquerda sabe fazer bem é satanizar adversários." Para os próximos meses aguarda-se o novo romance de Vargas Llosa, O Sonho do Celta, baseado na vida do diplomata irlandês Roger Casement, tendo a Amazônia do ciclo da borracha como um dos cenários da narrativa. Por fim, fiquem também avisados os alunos de Princeton: no próximo dia 14, Vargas Llosa não vai dar aulas. Estará em Porto Alegre, apresentando-se como palestrante da série Fronteiras do Pensamento.
Em Sabres & Utopias, ensaios, artigos e documentos são dispostos fora de ordem cronológica, segundo critérios de importância fixados pelo organizador do livro, expert em sua obra. Há um ensaio no início, chamado Um País de Mil Faces, que revela a sua relação com o Peru, algo que o explica como escritor.
Sim, é um pequeno ensaio sobre a diversidade peruana. O país onde nasci pode ser tomado como uma espécie de síntese do mundo pela incrível variedade de tradições que o formam. Há o país pré-hispânico, que se perpetua nos milhões de peruanos de origem indígena, há o país europeu, de tantos milhões de origem hispânica e de outras nacionalidades, há o país também africano, dos negros que chegaram com os espanhóis há cinco séculos, há o país dos japoneses e chineses, integrados a essa diversidade desde o final do século 19, e, felizmente, há um processo de mestiçagem grande. Eis a grande fortuna do Peru: ser uma espécie de protótipo do mundo, com pontes para diversas culturas e crenças.
Neste ensaio específico, é curioso quando o senhor fala dos "homens-formigas", herdeiros dos incas, que seriam a explicação para certa tendência à burocracia no seu país.
O império inca foi uma realização assombrosa, ergueu cidades, fortalezas, templos, com extraordinária criatividade. E também gerou uma organização formidável que, segundo historiadores, dava de comer a todos os habitantes. Não se morria de fome no império inca. Mas, para isso, fez-se uma sociedade burocrática, vertical, autoritária, na qual o Estado dominador tomava sob sua responsabilidade o indivíduo, desde o nascimento até a morte. Então as pessoas careciam de iniciativa e liberdade. Essa é uma das razões pelas quais esse império acabou sendo destruído por uma minoria de conquistadores. Porque esses, ao decapitarem os chefes indígenas, fizeram desabar todo o edifício inca. A nossa modernidade guarda sequelas desse passado, como o tão característico espírito burocrático e a crença de que o Estado tem que resolver todos os problemas, não é verdade? Só que a tradição gregária e coletivista do indivíduo deprimido pelo Estado vai mais além e acaba por gerar um fenômeno duplo, pois tem a ver com as civilizações pré-hispânicas e também com a formação de colônias subordinadas a impérios autoritários, caso de Portugal e Espanha.
Por que o senhor se refere ao Peru como uma "enfermidade incurável" em sua vida?
Posso usar esta metáfora porque tenho um espírito atento e crítico em relação a meu país. É uma realidade sempre presente em minha vida, apesar de ter vivido desde cedo em outros lugares. Ainda hoje passo meses por ano fora do Peru, mas sem dúvida os problemas do país me afetam e sempre estou intervindo nos debates por lá. Há uma ligação permanente.
Há 20 anos o senhor se candidatava à Presidência do Peru. Perdeu para Alberto Fujimori e saiu da vida política. Essa experiência lhe deixou traumas?
Sempre participei da política como intelectual interessado no confronto das ideias, nunca me imaginei assumindo cargos, definitivamente não era minha vocação. Mas resolvi participar do jogo político num momento muito particular do país, em que havia uma situação econômica crítica, um processo hiperinflacionário que destruía os salários, um populismo que fazia com que o Peru fosse olhado com desconfiança pela comunidade internacional, quando os níveis de vida despencavam... e havia a violência social desencadeada pelo terrorismo, com Sendero Luminoso, Tupac Amaru e outras organizações radicais. Enfim, senti que nossa débil democracia poderia desaparecer, por isso resolvi me candidatar. Além disso, eu realmente acreditava haver um clima favorável para as reformas liberais e democráticas que me dispunha a fazer. Foi uma experiência instrutiva e ingrata, também, pela grande violência que a acompanhou... o saldo foi reconhecer que sou completamente incompetente como político profissional (risos).
Borges disse que a "política é uma das faces do tédio". Passou a concordar com ele?
Sim, Borges dizia isso. Mas não podemos prescindir da política. E nem tente fechar as portas para ela, pois irá vê-la entrando pelas janelas. Por isso, continuo disposto a participar, batalhar por melhoria social, por uma vida cultural mais plena, fortalecer a democracia e afastar qualquer hipótese de retorno às ditaduras do passado.
Tem-se a impressão de que os intelectuais latino-americanos andam emudecidos, talvez até desviando de certos debates.
Em nosso continente, a intelectualidade ainda está ligada a um monopólio cultural da esquerda, que por sua vez está a exibir duas faces. Pela primeira vez, há uma esquerda que chega ao poder em alguns países da região demonstrando ter aprendido boas lições ao renunciar à violência e abraçar a democracia, ao aceitar o livre mercado e respeitar a empresa privada, ao entender que o estatismo leva ao fracasso econômico, que por sua vez leva à pobreza. Isso ocorreu no Chile, com a Concertação, no Brasil com Lula, no Uruguai, curiosamente com um governo que vem de uma esquerda revolucionária. Sem dúvida, essa esquerda democrática deve ser bem-vinda, assim como deve ser bem-vinda uma direita democrática. Mas há também uma esquerda pouco ou nada democrática, como a que vemos em Cuba ou Venezuela. Veja como os venezuelanos acabam de impor um revés eleitoral a Hugo Chávez, pois já existe uma maioria que não se convence com o discurso do "socialismo século 21". Essa esquerda também está presente na Nicarágua, no Equador, sem falar do caso particular e trágico da Argentina, nas mãos de um casal demagogo e de uma turma com um prontuário dos piores. Como se pode eleger gente assim? Como se pode dar crédito a partidos e facções com entusiasmos de golpismo? Ora, os intelectuais têm medo de se manifestar livremente sobre isso, de serem desacreditados e atacados. Inclusive uma coisa que a esquerda sabe como fazer é satanizar o adversário. Diante disso, intelectuais constrangidos estão no máximo invocando cartas de correção política e usando os clichês de sempre. Porque assim são poupados e terão uma vida mais fácil.
O artigo intitulado Lula e os Castro, de maio de 2010, abre em Sabres & Utopias uma sequência de textos sobre Cuba, mostrando seu afastamento do regime castrista a partir do início dos anos 70. Mas no artigo em questão, o senhor manifesta indignação pelo fato do presidente brasileiro ter ido saudar Fidel e Raúl em Havana, no mesmo dia em que se enterrava o pedreiro Orlando Zapata Tamayo, dissidente do regime. São linhas bastante duras contra o líder de esquerda que o senhor imagina ter se tornado democrata.
O presidente Lula evoluiu ao longo do tempo e isso foi muito benéfico para o Brasil. Ele hoje crê na democracia, no mercado, na iniciativa privada. Mas ele também tem sido muito contraditório, basta ver sua política externa. Um defensor da democracia não pode abraçar Fidel Castro nem os governantes do Irã, que representam uma ditadura teocrática. Esses abraços acabam legitimando regimes que são uma vergonha do ponto de vista político e moral. Essa contradição de Lula me parece lamentável. Então tive que externar meu protesto.
Quando o senhor escreveu a famosa carta para Fidel, em 1971, protestando pela autocrítica forçada do poeta cubano Heberto Padilla, conseguiu adesão imediata de assinaturas famosas: Sartre, Simone de Beauvoir, Pier Paolo Pasolini, Italo Calvino, Alain Resnais, Jorge Semprún, Susan Sontag, Maurice Nadeau, Alberto Moravia e outros. Hoje adesão em tal grau não acontece.
Muitos outros intelectuais de peso assinaram aquela carta... Mas foi um momento de ruptura de parte da intelectualidade de esquerda com o regime cubano. Foi como se disséssemos: "Até aqui chegamos e não vamos seguir dando apoio." Muitos dos signatários conheceram Padilla pessoalmente. Sabíamos que era absurdo acusá-lo de revolucionário e agente da CIA, justamente ele que havia estado com a revolução desde os primeiros momentos, inclusive tendo parado de escrever sua poesia para trabalhar para o regime. Agia como funcionário fiel e as críticas que ousava fazer não eram contra o socialismo. Era contra o que acreditava ser uma deformação do socialismo. Por isso foi preso, caluniado, insultado. Aquilo foi um turning point. Muitos de nós nos despedimos da aventura revolucionária, que manteve a seu lado os mais dogmáticos e servis.
O que pensa de escritores como a cubana Yoani Sánchez, autora de um blog lido no mundo inteiro?
Os dissidentes de hoje são gente muito valorosa e sempre que posso lhes manifesto meu apoio. Porque ser dissidente em Cuba requer coragem e um espírito de sacrifício extraordinário diante do peso brutal do regime. Os intelectuais de lá têm muita dificuldade para se expressar. Veja o caso emblemático do escritor, poeta e ensaísta Lezama Lima. Ele foi muito perseguido e só quando morreu, em 1976, os dirigentes revolucionários se deram conta de quão respeitado ele era mundo afora.
O senhor o conheceu pessoalmente?
Sim, estivemos juntos várias vezes em Cuba. Eu me lembro perfeitamente de nosso último encontro, creio que foi em 1969. Fui convidado pelo escritor chileno Jorge Edwards, que era embaixador em Havana, para almoçar com ele e Lezama em um daqueles restaurantes bons a que só a nomenclatura tinha acesso. Foi um encontro memorável. No fim, o poeta se despediu de mim com um longo e intenso aperto de mãos, e me perguntou: "Você se deu conta do país em que estou vivendo?" E eu respondi: "Sim, claro, me dei conta." E ele repetiu a pergunta: "Você se deu conta?" Minha última recordação de Lezama são essas frases, ditas com muita tristeza. Nunca mais nos vimos. Terrível, não? Era um homem extraordinário, que apenas uma vez na vida conseguiu sair de Cuba, creio eu, mas atravessava o mundo com sua literatura barroca, sua cultura e sofisticação.
O senhor agora está em Princeton ensinando Borges, o mestre argentino que teria sido responsável por resolver o complexo de inferioridade dos escritores latino-americanos, pelo que está escrito em Sabres & Utopias.
Sem dúvida. De alguma maneira Borges estimulou os escritores latino-americanos a serem cidadãos do mundo, a se moverem sem complexo de inferioridade por todas as avenidas da cultura, por todas as tradições e todas as épocas. Provou que um escritor do nosso continente pode dizer coisas originais sobre Shakespeare, Molière, Stevenson, Chesterton, tendo uma visão universal. Isso nos ajudou a romper o nosso cárcere provinciano.
Diria que esta universalização está consolidada em nossa literatura?
Acredito que sim. As novas gerações não são nada provincianas, podem até escrever sobre seus países, mas sem uma cabeça localista ou apenas se valendo de explorar o pitoresco. Esta é a minha explicação para a difusão internacional da literatura latino-americana hoje, algo que simplesmente não existia tempos atrás. Escritores como o próprio Lezama Lima, Jorge Luis Borges, Octavio Paz ou Guimarães Rosa foram decisivos para essa abertura. Rosa sabia falar não sei quantos idiomas, havia lido toda a literatura moderna e, na hora de escrever, valia-se de perspectiva e técnicas universais, mesmo tratando de coisas da terra. Essa abertura para o mundo justificaria o reconhecimento atual, e póstumo, da obra do chileno Roberto Bolaños. Muito mais jovem que Borges ou Lezama, Bolaños teve essa mesma atitude: nasceu no Chile, mas viveu no México e na Espanha, com uma cabeça universalista, sem abandonar as origens. Sua visão não está delimitada por fronteiras nacionais.
E a distinção que se fazia em décadas passadas, especialmente na América Latina, entre realismo e realismo fantástico? Está superada? O senhor mesmo sempre fez questão de dizer que jamais acreditou em fantasmas.
Essa distinção se eclipsou nos últimos tempos, porque há escritores que hoje conseguem praticar os dois tipos de literatura. Diria mais: hoje em dia, escritores que foram fortemente influenciados pelo realismo mágico de García Márquez, que teve sua importância, estão de regresso à vertente realista. Porque, na verdade, o realismo recuperou um dinamismo que em dado momento esteve perdido frente à literatura fantástica. Chegamos finalmente a um realismo mais ambicioso, que até pode deixar margem para a magia, por que não? Isso tudo é matéria do meu curso sobre as técnicas do romance, em que procuro demonstrar, sempre me valendo de autores de língua espanhola, que novela acima de tudo é forma. Não é tema, mas o tratamento do tema. Daí me ponho a falar sobre tipos de narrador, maneiras de organizar o tempo, formas de linguagem, enfim, trato de aspectos que fundamentalmente podem determinar o êxito ou o fracasso de um romance. Estou convencido de que talento é disciplina, requer conhecimento técnico e formal.
Falemos do novo romance, O Sonho do Celta, a ser lançado em breve. Como descobriu seu personagem, o diplomata britânico Roger Casement, que morreu em 1916?
Eu o descobri lendo o escritor Joseph Conrad (1857-1924). Casement havia sido a primeira pessoa que Conrad conheceu no Congo, quando lá esteve em missão naval, como capitão de um barco. Ficaram amigos e Casement, que já estava servindo havia oito anos naquele lugar, abriu os olhos de Conrad para a tragédia humana que se passava por lá - as atrocidades que se cometiam, a falta de respeito pela vida naquelas comunidades miseráveis, o trabalho duro em áreas de exploração da borracha. Então foi graças a Casement que Conrad escreveu sua obra-prima, O Coração das Trevas. Quanto a mim, ao ler Conrad cheguei a Casement, um personagem pronto para o romance.
Casement também viveu no Brasil, não?
Depois de passar anos no Congo, documentando aquela exploração toda, Casement acabou viajando para o Brasil. Na verdade, recebeu a missão de investigar e reportar para o governo britânico o trabalho desumano que se impunha aos indígenas na região amazônica como um todo, isso também no tempo do caucho, da extração da borracha. Portanto, ele andou pelo Peru, pela Colômbia e pelo Brasil, inclusive tendo sido cônsul britânico no Rio de Janeiro. E o informe que ele faz e despacha para a Inglaterra era absolutamente extraordinário: duro, crítico, retrato fiel do que se passava, reforçando a campanha que ele próprio já vinha fazendo na Europa contra a escravização nas comunidades africanas, a exploração humana diante da presença de uma cultura ‘superior’, muito poderosa. Casement foi um dos primeiros europeus a denunciar esse estado de coisas, a romper o mito de que o colonialismo é o caminho para a civilização e também para a cristianização. Ao mesmo tempo, ele secretamente colaborava com ativistas irlandeses, chegando a participar de um acordo com a Alemanha, na época da 1.ª Guerra, para justamente ajudar a Irlanda a buscar sua independência. Foi preso pelos ingleses, julgado como traidor e sentenciado à forca.
Sem dúvida, um personagem fascinante. Quanto há de história e o quanto há de ficção em O Sonho do Celta?
E veja que só lhe dei alguns alinhamentos de uma vida intensa, sutil, contraditória... Meu livro é um romance, uma ficção. Tomo como ponto de partida uma figura histórica, com uma biografia tão rica em experiências, e a trato com total liberdade. Como fiz, por exemplo, em A Guerra do Fim do Mundo, em torno de Canudos. Posso dizer que os dois livros, O Sonho do Celta e A Guerra do Fim do Mundo, resultam muito diferentes, mas, ao tomar a história como matéria-prima para a ficção, eu poderia dizer que o procedimento é o mesmo. Ou seja, usar a história, mas também usar a fantasia e a imaginação para ficcionar.
Este seu novo livro o coloca de regresso ao mundo amazônico. Mas terá sido a primeira vez que incursiona pela África, certo?
Exatamente, foi a primeira vez que eu ‘entrei’ na África. Como também foi a primeira vez que me aventurei pela Irlanda, uma realidade que só conhecia de longe, portanto, precisei enfiar-me em sua história, percorrê-la, visitar sua gente. Gosto muito da ideia de que a aventura de um novo romance seja também uma aventura pessoal para mim.
Sabres & Utopias - Visões da América Latina - Autor: Mario Vargas Llosa. Tradutor: Bernardo Ajzenberg. Editora: Objetiva (432 págs., R$ 49,90)
Leia trechos do livro:
"Construiu um romance ambíguo, múltiplo, destinado a durar muito tempo, dificilmente apreensível em sua totalidade, enganoso e fascinante como a vida imediata, profundo e inesgotável como a realidade."
"Nenhum escritor moderno de nossa língua, com exceção, talvez, do inventor de Macondo, criou mitologia urbana com tanta força e cores como esse cubano (...) disposto a ganhar todos os inimigos da Terra."
"Quando eu era jovem, brincava com um amigo tentando adivinhar quais escritores do nosso tempo iriam para o céu. Fazíamos listas restritas (...) Na minha relação, e isso de há muito, resta só um nome."
"Era um homem eminentemente privado, com um mundo interior construído e preservado como uma obra de arte à qual só Aurora provavelmente tinha acesso, e para quem nada, a não ser a literatura, parecia importar."
fonte : O Estado de S. Paulo


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