Guia para diagnóstico será publicado em maio de 2013 e pode desvalorizar gravidade de doenças
Uma edição atualizada da "Bíblia" sobre saúde mental usada pelos médicos pode incluir diagnósticos de "transtornos" como birras da criança e compulsão alimentar, o que poderia significar que em breve ninguém mais vai ser classificado como normal.
Principais especialistas em saúde mental alertaram nesta terça-feira, 27, que uma nova edição do Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais, que está sendo revisado agora para publicação em maio de 2013, poderia desvalorizar a gravidade de doenças mentais e rotular quase todas as pessoas com algum tipo de desordem.
Citando exemplos de novas atualizações, como "depressão com ansiedade suave", "síndrome com risco de psicose" e "transtorno do temperamento irregular", os especialistas disseram que muitas pessoas perfeitamente saudáveis poderiam no futuro ser informadas de que estão doentes.
"Fazer isso é reduzir de uma piscina para uma poça d'água o que é normal", disse Til Wykes, do Instituto de Psiquiatria do Kings College London.
O manual é publicado pela Associação Psiquiátrica Americana e contém descrições, sintomas e outros critérios para o diagnóstico de transtornos mentais. É visto como a Bíblia global para o campo da medicina de saúde mental.
Os critérios são estabelecidos para fornecer definições claras a profissionais que tratam pacientes com transtornos mentais e a pesquisadores e empresas da indústria farmacêutica que procuram desenvolver novas formas de tratamento.
Wykes e os colegas Felicity Callard, também do Instituto de Psiquiatria do Kings College, e Nick Craddock, do Departamento de Medicina Psicológica e Neurologia da Universidade de Cardiff, disseram que muitos na comunidade psiquiátrica estão preocupados com a expansão das orientações, pois o mais provável será que ninguém mais será classificado como normal.
"Tecnicamente, com a classificação de tantos novos transtornos, todos teremos disordens", disseram eles em declaração conjunta. "Isso pode levar a crer que muitos de nós também 'precisamos' de drogas para tratar nossas 'condições' - e muitas dessas drogas podem ter efeitos colaterais desagradáveis ou perigosos."
Os cientistas disseram que o diagnóstico da "síndrome do risco de psicose" é particularmente preocupante, pois poderia rotular falsamente jovens que podem ter apenas um pequeno risco de desenvolver a doença.
"É um pouco como dizer a 10 pessoas com um resfriado comum que elas estão "em risco de ter uma síndrome de pneumonia", quando apenas um tem a probabilidade de desenvolver a doença", disse Wykes.
A Associação Psiquiátrica Americana não respondeu a um pedido de comentário sobre o assunto.
Os cientistas deram exemplos usando a revisão anterior do manual, que foi chamada de DSM 4 e incluiu diagnósticos mais amplos e categorias para déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), autismo e transtorno bipolar na infância.
Isso, segundo eles, "contribuiu para três epidemias falsas", particularmente nos Estados Unidos. "Durante a última década, quantos médicos alarmaram pais a dar drogas como Ritalina para crianças sem elas realmente precisarem?", perguntou Wykes.
Milhões de pessoas em todo o mundo - muitas delas, crianças - tomam medicamentos para TDAH, incluindo Ritalina, que é conhecido genericamente como metilfenidato, e drogas afins, como Adderall e Vyvanse. Só nos Estados Unidos, as vendas desses medicamentos representavam cerca de US$ 4,8 bilhões em 2008.
Wykes e Callard publicaram comentário no Jornal de Saúde Mental expressando preocupação com a próxima revisão do manual e destacando 10 ou mais documentos de outros cientistas que também estão preocupados.
Um comentário:
Interessante este artigo. Precisamos ficar atentas e combater a rotulação, que ainda é uma prática frequente na psiquiatria. O que é normal na nosologia psiquiátrica, necessariamente, não é saúde mental. E o que é normal na subjetividade? A Antipsiquiatria, a muitos anos atrás, já denunciou a prática policial da psiquiatria. em nome dessas práticas muitas violências contra pessoas ainda se comentem.
bj, Denise
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