Ninguém recebeu mais críticas durante a Copa do Mundo de futebol do que Jabulani, a bola oficial do torneio. Ela foi chamada pelos jogadores de "bola de supermercado" (Julio César), "bola sobrenatural" (Luis Fabiano) e até de "bola patricinha" (Felipe Melo).
A história moderna da bola de futebol remonta à Copa de 70, ocasião em que o mundo foi apresentado a uma bola de futebol cuja forma se mostrou tão conveniente que permaneceu em uso até o recente aparecimento da Jabulani.
A concepção da bola consagrada em 70 foi inspirada em um conhecido poliedro convexo, descoberto por Arquimedes, denominado de icosaedro truncado. O icosaedro regular é um poliedro convexo de 20 faces triangulares, e o icosaedro truncado, um poliedro convexo obtido após fazermos "cortes" nos vértices do icosaedro regular.
Por serem poliedros, tanto o icosaedro regular como o truncado atendem à seguinte relação, conhecida como teorema de Euler: o número de vértices (V) mais o de faces (F) excede em 2 a quantidade de arestas (A), ou seja, V+F = A+2.
No caso do icosaedro regular, suas 20 faces são triângulos equiláteros, sendo que cada vértice do sólido é formado pela junção de quatro triângulos, o que concede a ele 12 vértices e 30 arestas. As 32 faces do icosaedro truncado são formadas por 12 pentágonos regulares e 20 hexágonos regulares. Cada um dos 60 vértices do icosaedro truncado é formado pela junção de 1 pentágono e 2 hexágonos, o que resulta ao sólido o total de 90 arestas. Poliedros cujas faces regulares são de mais de um tipo, como o icosaedro truncado, que possui faces pentagonais e hexagonais, recebem o nome de sólidos de Arquimedes.
Desde os anos 70, portanto, a fabricação da bola tradicional de futebol é feita inflando-se um icosaedro truncado de faces flexíveis até se obter um sólido "suavemente" esférico. A novidade introduzida pela Jabulani é o fato de que o poliedro de material flexível inflável nela utilizado é composto apenas por pentágonos regulares, como se vê no vídeo da sua fabricação.
Para entendermos por que uma bola como a Jabulani implica uma trajetória mais irregular do que a da bola tradicional, é razoável olhar para a planificação das faces a partir de um dos vértices do poliedro e compará-la com a da bola tradicional.
Observe que o "ângulo de folga" com relação a 360 é menor na bola tradicional do que na Jabulani, o que, em última análise, implica dizer que, quando inflada, a bola clássica irá gerar uma superfície mais suave -e menos suscetível à trajetória irregular- do que a Jabulani.
Não só nossos jogadores estão "matematicamente" corretos em reclamar da Jabulani, como também podemos dar um novo apelido a ela: Jabulani, a "bola não arquimediana".
JOSÉ LUIZ PASTORE MELLO é graduado e mestre pela USP e professor de matemática do Colégio Santa Cruz.
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