Então

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Quino, o pai da Mafalda, fala sobre sua obra recente


Mafalda, a personagem famosa, publicada em tiras de 1964 a 1973


Em meio a pausa profissional por causa de um glaucoma, cartunista tem três obras prometidas


Raquel Cozer


As quatro décadas que separam a primeira tira de Mafalda do livro Que Presente Inapresentável não mudaram a forma de Quino interpretar o mundo. Nos anos 60, ao ouvir que a TV era "veículo de cultura", Mafalda concluía: "Se fosse a cultura, descia do carro e ia a pé." Em cartum da coletânea lançada em 2004, um homem constata, aturdido: "Graças à internet, agora posso ler a imprensa internacional e saber na hora que horror está o mundo."

Três títulos que saem agora no Brasil - 10 Anos com Mafalda, com todas as tiras da personagem, publicadas entre 1964 e 1973, Humanos Nascemos, original de 1987, e Que Presente Inapresentável - permitem perceber como Quino encontrou diferentes maneiras de reiterar suas convicções ao longo da carreira. E foi por essa eficácia em retratar a evolução das mazelas do mundo que causou tamanha repercussão seu anúncio, em abril do ano passado, de que ficaria um tempo sem desenhar para "renovar ideias".

"Sigo desenhando coisas para mim. O que não estou é publicando neste momento", afirmou Quino, de Buenos Aires, em entrevista por telefone ao Estado, na última semana. "Estou sempre buscando temáticas que ainda não tenha abordado, e isso é muito difícil. É algo sobre o que prefiro não falar porque ainda não sei qual é a via a seguir."

Quem acompanha de perto a trajetória do autor, no entanto, sabe que há outra razão para a pausa. Há dois meses, o cartunista passou por uma cirurgia no olho direito devido ao glaucoma do qual sofre. Não foi a primeira vez que se submeteu a operação contra a doença, que pode levar à cegueira; nos últimos anos, passou por uma série delas. Daniel Divinsky, editor de Quino na Argentina, já chegou a sentenciar: "Creio que o ‘até logo’ disfarce um ‘até nunca’. Para ele, é uma decisão dolorosa. O glaucoma foi se agravando, ele não vê com precisão para desenhar bem e fica insatisfeito com o que faz."

Mas novas publicações do artista estão prometidas. A Ediciones de la Flor, que o publica na Argentina, afirma ter material para lançar uma série temática. Também por aqui deve sair, sem data definida, uma preciosidade. Trata-se de Mundo Quino: primeiro volume com cartuns do argentino, de 1963, cujo prefácio da edição argentina dos anos 90 inclui um mea-culpa do autor. No texto, ele diz ser "estranha a sensação" de reencontrar um Quino com o qual se identifica e do qual se sente diferente. "Por um lado, era capaz de uma simplicidade e uma frescura que hoje invejo. Por outro, descubro-me autor de desenhos de um racismo que, para ser brando comigo, qualificaria de inconsciente, mas não menos detestável", escreve.

Pessimismo. Hoje, Quino diz acreditar que não mudou. Ao menos, avalia, não se tornou mais pessimista do que era. "O mundo foi que mudou para pior, em especial após o 11 de Setembro, quando perdemos segurança. A política também piorou, perdeu muito terreno frente ao poder econômico", argumenta. Mas parecia mais otimista o cartunista que, em 1987, na entrevista de abertura do volume 10 Anos com Mafalda, dizia acreditar que a "inteligência humana saberá sobrepor-se a todos os perigos".

Nos dias atuais, a inteligência humana lhe parece uma praga. Na conversa com a reportagem, Quino reproduz argumentos negativos sobre os transgênicos ("Me parece que está muito mal regulado, ninguém controla como deveria fazer"). a internet ("Ela cria um excesso de informação entre gente que não se comunica pessoalmente, e isso me parece bastante triste"), o futebol ("Não há outro esporte que provoque tantas mortes e violência como ele. Me interessa só como fenômeno social") e a projeção internacional do Brasil ("Isso foi algo já programado desde os tempos do Kissinger"). Proprietário de apartamentos em Buenos Aires, Madri, Paris e Milão, casado há 50 anos com a mesma mulher, Alicia Colombo, e admirador de vinhos e de boa comida, Quino parece ao menos interessado em tentar retirar do mundo o que de bom, apesar de tudo isso, ele ainda pode lhe oferecer.

10 Anos Con Mafalda

Autor: Quino. Editora; Martins Fontes (R$ 52 - 193 páginas).

Humanos Nascemos

Autor: Quino. Editora: Martins Fontes (R$ 45 - 126 páginas).

Que Presente Inapresentavel!

Autor: Quino. Editora: Martins Fontes. (R$ 36 - 134 páginas).

fonte: O Estado de S. Paulo

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