O jornalista perugino Maurizio Pescari, que escreve sobre azeites no jornal italiano Corriere della Sera e é o crítico responsável pela seção de azeites do guia Gulosi, indicou, a pedido do Paladar, as melhores combinações do ingrediente com alguns pratos. Leia a seguir:
Peixes vão bem com azeites da Ligúria, que são muito delicados
Carnes assadas na brasa com algum azeite da Toscana feito a partir da variedade de azeitona Moraiolo, que tem um toque picante e bastante personalidade
Legumes harmonizam perfeitamente com os azeites da Úmbria, capazes de revelar o doce e o amargo ao mesmo tempo, o que realça o sabor dos legumes
Verduras e salada verde
ficam bem se temperados com azeites da Calábria, muito leves, com sabor que curiosamente faz lembrar os tomates e portanto fazem par perfeito para os verdes
Salada cítrica acompanhada de um azeite da Sicília, extraordinário, com boa acidez, picante e um pouco amargo
Especialista denuncia que 'extravirgem' é aplicado tanto ao bom azeite quanto àquele tratado como commodity
por Patrícia Ferraz
PERÚGIA, ITÁLIA
Tom Mueller, jornalista e autor do livro Extra Virginity
Extra Virginity só sai em dezembro, mas os italianos já falam dele como a história criminal do azeite na Itália. Explica-se: o livro é desdobramento de um artigo que o jornalista americano Tom Mueller escreveu para a revista New Yorker, em 2007, mostrando as fraudes na produção de azeite.
Formado em Harvard, doutorado em Oxford e colaborador de publicações importantes nos Estados Unidos, Mueller resolveu aprofundar as investigações sobre a história e a cultura do azeite na Itália, onde vive com os filhos e a mulher italiana. As fraudes são apenas parte da história, como explicou na entrevista ao Paladar concedida em Perúgia, na semana passada.
Afinal, Extra Virginity trata de qual aspecto do azeite?
O livro é essencialmente sobre os dois tipos de produtores de azeite que existem: aquele que cultiva as azeitonas, colhe a fruta, leva para o moinho e faz um azeite maravilhoso e o que trata o azeite como uma commodity industrial. Infelizmente, ambos usam no rótulo o mesmo termo "extravirgem". Meu foco é a Itália, maior vendedor mundial de azeite, maior consumidor, importador e exportador.
O que é um bom azeite?
Azeite é um suco de fruta. E como qualquer suco, quanto mais fresco, melhor. O problema é que não há como saber o quanto ele é fresco, porque os rótulos não trazem a data de produção. A data de validade é estabelecida a partir do engarrafamento, não da extração do azeite. E o que acontece é que esse azeite pode ter sido guardado por dois ou três anos antes de ser engarrafado. Ou seja, você compra um azeite de três anos que ainda tem mais um ano de validade, mas está muito longe do ideal.
Como se faz um bom azeite?
O que os melhores produtores têm em comum é a velocidade. A chave do processo está em reduzir o tempo entre a colheita da azeitona e a extração do azeite. Isso deve ser feito em algumas horas, e o uso de equipamentos modernos faz diferença, porque o que se quer é reduzir a exposição da azeitona ao oxigênio, que deteriora a fruta.
Você está condenando os métodos tradicionais de produção?
Tradição é uma coisa a ser preservada, mas não na produção de azeite. A centrífuga de aço inox é melhor que a prensa porque reduz o contato com o ar. Moedor de aço é mais eficaz que o moinho de pedra que servia para a Roma antiga. E o barril de aço inox é o lugar ideal para guardá-lo antes de engarrafar.
Qual é o prazo ideal para consumir um azeite?
Deve-se ter em mente que o azeite não é como o vinho, que melhora na garrafa. O azeite, desde o momento da extração, só piora. Quanto vai durar, depende da quantidade de antioxidantes naturais, os polifenóis. Alguns até podem durar dois anos, mas o ideal é comprar o azeite no máximo até 12 meses após a extração.
No paladar, como podemos reconhecer um azeite fresco?
Ele tem de parecer fresco - e isso não é maneira de dizer, é lei. Precisa lembrar a fruta fresca, no caso, a azeitona (mas não a azeitona curada, que é processada e tem outro sabor). O azeite extravirgem é proibido por lei de apresentar qualquer gosto ruim, como ranço, mofo, sabor metálico - se não me engano, a lei especifica 19 defeitos.
Como se escolhe um azeite?
As pessoas devem começar a pensar em azeite da mesma forma que pensam em vinho: você pede um Cabernet, ou um grande tinto para harmonizar com a carne. Deve fazer o mesmo com o azeite. Para combinar com a carne, escolha um azeite forte e intenso da Úmbria, Toscana, Sicília ou Califórnia. Se usar esse mesmo azeite num peixe delicado, você vai destruir um grande azeite e um grande peixe... Para escolher um azeite, você precisa saber como quer usá-lo.
As embalagens modernas de aço inox, a vácuo e tipo longa vida funcionam para o azeite?
Uma empresa na Áustria está produzindo latas ótimas que, além de bonitas e muito leves, são à prova de luz, vedam bem. Mas, no caso do azeite, acho que funcionam também aquelas embalagens menos elegantes chamadas bag-in-box.
O barril para venda de azeite é uma boa solução?
Nos Estados Unidos está virando moda vender azeite diretamente do barril de carvalho. O consumidor leva a própria embalagem à loja. Teoricamente, é ótimo, porque o carvalho conserva melhor que a garrafa. Alguns bares de azeite também o mantêm em barril. Aliás, esses bares são interessantes, porque têm variedade - em geral, quem faz a seleção viaja o mundo em busca de bons produtos. Isso encoraja as pessoas a provar.
Dizem que vai acontecer com o azeite o mesmo que ocorreu com o vinho...
Não sei se vai, mas acho que pode acontecer. Há 35 anos, nos Estados Unidos, onde eu vivia, as pessoas conheciam três tipos de vinho: branco, tinto e rosé. Agora há incrível variedade, o consumidor conhece as uvas, se interessa.
Por que você diz que os preços do azeite estão irreais?
Estão artificialmente baixos porque muita coisa que tem sido vendida como azeite extravirgem não é. Muito azeite de péssima qualidade, feito na Espanha, no sul da Itália, no Norte da África e vendido como azeite extravirgem, é óleo desodorizado (processo usado para mascarar o aroma e o sabor deles). O processo, obviamente ilegal, é muito difícil de ser detectado, mesmo em laboratório.
O preço tem relação com as fraudes?
Em larga escala, as fraudes dificultam a vida do produtor honesto. Os fraudadores fazem péssimos óleos a preços baixíssimos e impedem a sobrevivência dos produtores honestos.
Sedoso... e irritante. Contraditório? Não, o bom azeite tem as duas características. E como o vinho, tem de harmonizar com a comida. O Paladar ouviu especialistas, aqui e lá fora
por Patrícia Ferraz e Olívia Fraga
O bom azeite é irritante. Faz tossir, coça a garganta, pizzica, como dizem os italianos. Azeite extravirgem é limpo, sedoso e tem um sabor claro que lembra a clorofila dos vegetais. Mas para sentir essas sensações você precisa colocar na boca um dos bons, feito com azeitonas cultivadas com rigor e prensadas poucas horas depois de colhidas. É isso que garante o frescor, primeira definição de qualidade de um azeite extravirgem.
O sabor é outra coisa. Depende da variedade da azeitona, do terroir e da maneira como foi processada. Frantoio, moraiolo, arbequina, cailletier, calamata. Cada uma tem suas peculiaridades e dá origem a azeites de sabores bastante distintos.
"A moraiolo produzida na Toscana não é replicável", diz Gianpiero Cresti, diretor da Olivicultori Toscani Associati, uma cooperativa que produz 30% do azeite da região italiana. Nem a grega calamata, ou a francesa cailletier, ou a arbequina espanhola.
Você pode nunca ter ouvido falar dessas variedades de azeitona, mas se as previsões se confirmarem, em alguns anos é provável que consiga identificá-las apenas aproximando o azeite do nariz ou experimentando um pequeno gole. Ao que tudo indica, a familiaridade das pessoas com o azeite será comparável à que se vê hoje em relação aos vinhos, como diz o jornalista americano Tom Mueller, especialista em azeites, na entrevista abaixo.
Duvida? É só lembrar de quando Chardonnay e Cabernet não soavam assim tão diferentes - hoje é impossível confundir essa casta branca com essa tinta absolutamente populares. E com certeza você sabe que prato combinar com cada um destes vinhos.
Por enquanto, não precisa decorar as variedades de azeitona nem sua procedência. Basta saber que extravirgem tem de ter menos de 0,8% de acidez e que existem azeites suaves, intensos, rústicos, delicados, complexos... E só há uma maneira de conhecê-los: provando.
No Brasil, a oferta tem aumentado, mas ainda é difícil encontrar produtos artesanais de qualidade. O que predomina são os azeites industrializados, produzidos em larga escala, especialmente espanhóis, italianos e portugueses. Os poucos azeites artesanais disponíveis nas prateleiras chegam a preços elevadíssimos, como vai ver à página 6.
Os azeites, assim como os vinhos, devem ser combinados com a comida. E também têm seus princípios de harmonização. "O azeite certo valoriza um prato. Mas se usar o errado, pode arruinar a comida e o próprio azeite", explica Maurizio Pescari, que escreve sobre o ingrediente no jornal Corriere della Sera e é o crítico responsável pela seção de azeite do guia italiano Gulosi.
Pescari não precisou nem pensar para responder quais as melhores combinações entre pratos e azeites da Itália - apontadas na página ao lado. E garantiu que tem apenas um alimento que vai bem com azeite de qualquer tipo ou região: pão.
O Paladar comprovou a teoria de Pescari visitando produtores de azeite nas regiões italianas da Úmbria e da Toscana na semana passada. Na prova, o azeite era sempre apresentado ao lado de uma fatia de pão de campanha quentinho - o pão dessas duas regiões italianas, assim como no Lácio e no Abruzio, não tem sal por uma razão histórica: o papa Paulo III, em 1540, taxou o sal e as quatro regiões, em protesto, passaram a prepará-lo sem sal. A tradição se perpetuou. E por ali eles garantem que sem sal o pão exibe melhor as qualidades do azeite.
Prima prensa não é o que você pensa
Quando alguém disser que "azeite de prima prensa" é melhor porque é o primeiro suco que sai quando a azeitona começa a ser prensada, desminta. O termo refere-se ao azeite feito com a primeira leva de azeitonas da safra - na Itália, as colhidas no início de outubro, quando não estão muito maduras. Têm menos suco e sabor mais intenso. Daí a fama e o preço.
fonte: O Estado de S.Paulo
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