Então

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

O filósofo na arquibancada


Daniel Piza

Como se não bastassem textos de Albert Camus, Nelson Rodrigues, João Cabral de Melo Neto, Eduardo Galeano, Robert Coover, Nick Hornby e tantos outros, os intelectuais que torcem o nariz para o futebol acabam de receber mais uma má notícia: o livro Soccer and Philosophy, organizado por um professor americano, Ted Richards (editora Open Court), com autores de diversos países. O tema "futebol e filosofia" soa pretensioso, mas não espere nenhuma análise academicista, cheia de jargões ou dogmas; tampouco o modelo brasileiro, de crônicas e memórias curtas. Os autores praticam a velha e boa arte do ensaio: são objetivos e pessoais ao mesmo tempo.

O alemão Paul Hoyningen-Huene, na abertura, tenta responder "por que o futebol é tão fascinante?" mostrando como as regras relativamente simples permitem uma variedade de situações que o torna menos previsível do que outros esportes e, assim, mais poderoso em "mimetizar o drama da vida". Menos previsível, lembra ele, não significa aleatório. Há uma mistura de técnica e sorte que não pode ser determinada por estatísticas, mas que jamais elimina totalmente os padrões e probabilidades. Os outros textos da primeira metade do livro vão na mesma linha. Curiosamente, nenhum nota em particular que o futebol é assim por ser jogado com os pés, não com as mãos, extensões mais diretas da consciência - o que explica que os craques sejam os mais conscientes, ou melhor, os menos inconscientes.

A segunda metade entra numa polêmica bem conhecida dos brasileiros, a do futebol de resultados versus "jogo bonito". E começa com um saudável meio-termo do espanhol - e torcedor do Barcelona - Victor Durà-Vilà. Ele não cai nem no pseudopragmatismo dos que dizem que só o placar importa, como o ex-técnico Dunga, nem no romantismo dos que acham que um gol é "um mero avanço numérico", como alguns professores no Brasil. Afirma que a primeira abordagem é "unidimensional", pois esquece a plástica do futebol, e lembra como as escolas brasileira e holandesa (ops!) provaram que é possível vencer com beleza. "Ninguém fica feliz se seu time perde e poucos vão ficar infelizes se ele vencer, não importa o estilo ou a estética do jogo: vencer é tudo. Em alguns lugares, porém, o estilo importa (...) não apenas porque é mais divertido de assistir, mas também porque é uma atividade inspiradora."

Na mesma linha, o trio de colombianos Camilo Olaya, Nelson Lammoglia e Roberto Zarama, escrevendo sobre Messi, mostra que o craque é quem sabe o momento certo de ser individualista, livre, criativo, em vez de seguir as ordens do treinador. "A liberdade em relação a tradições e regras chama atenção para o que é primordial no ser humano (...). Sim, talvez devêssemos quebrar regras com mais frequência." E o inglês Andrew Lambert estende o argumento para os torcedores: eles não deveriam ser fanáticos e violentos, e sim preservar um distanciamento reflexivo e irônico em relação a suas próprias paixões. O futebol é fascinante, mas não substitui a vida nem salva a pátria. Eis uma das lições que o autointitulado país do futebol tem demorado a aprender.

Outra possível lição do livro é sobre o futebol que atualmente se joga nos gramados do Brasileirão. Quem viu os clássicos do fim de semana (Palmeiras e Corinthians, Flamengo e Vasco, Cruzeiro e Atlético, Inter e Grêmio), ou seus resumos, não viu o que gostaria de ver: futebol bem jogado, com técnica, com bons armadores e artilheiros, e não uma sequência de pancadas e lambanças, com os mais habilidosos sendo substituídos pelos treinadores que só querem saber de carrinhos e chuveirinhos - de um futebol decididamente diminutivo, incapaz de qualquer tipo de pensamento. A derrota da seleção na África do Sul não serviu para nada?

fonte: O Estado de São Paulo

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