quinta-feira, 30 de setembro de 2010
Coletividade inconsciente
Psicanalista Carl G. Jung estudou formas primitivas da nossa mente e criou teorias de arquétipos que explicam nosso comportamento e nossa busca por autoconhecimento
Conrado Matos
O psicanalista Carl Gustav Jung nasceu na Suíça e foi discípulo de Freud. Aprendeu Psicanálise e a levou para vários campos do conhecimento humano, um deles foi a Psicologia das Religiões, que Jung discutiu profundamente. Logo, também, para sua própria teoria, a "Psicologia Analítica".
Jung em uma análise sobre os povos primitivos descobriu a existência de um inconsciente primitivo, ou seja, primeiro ou primordial desde o início de qualquer geração humana. Este inconsciente, Jung denominou de inconsciente coletivo.
O inconsciente coletivo de Jung se conceitua por se estruturar nas imagens primordiais do desenvolvimento mais primitivo da psique. O homem herda tais imagens do passado ancestral, passado que inclui todos os seus antecessores pré-humanos ou animais. Dentro desses aspectos, Jung quis dizer que o ser humano traz psicogeneticamente um inconsciente herdado dos seus ancestrais mais primitivos possíveis, e que vai passando de geração para geração.
Personalidade humana
De acordo com a teoria Junguiana, levando aqui como discussão a obra dos psicólogos Calvin S. Hall e Vernon J. Nordb (Introdução à Psicologia Junguiana, Cultrix, SP), a psique faz parte da personalidade como um todo em primeiro lugar no ser humano, portanto, de acordo com o pensamento de Jung o homem não luta para ser um todo, ele já é um todo, ele nasce como um todo.
Em relação ao inconsciente coletivo, Jung denominou o seu conteúdo de "arquétipos", que são Universais, e que todos nós herdamos as mesmas imagens arquetípicas básicas. Entretanto, Jung considerou cinco tipos de arquétipos que desempenham papéis importantes na personalidade humana. São eles os arquétipos: Persona ou máscara, animus, anima, sombra e o Eu.
Jung dizia que o indivíduo deve saber lidar com os vários papéis que assume na vida, ou seja, deve saber conviver com vários personagens, sem se envolver definitivamente com a máscara - saber usar a máscara e saber sair dela sem se prejudicar. Jung classificou a máscara de face externa.
Usar a persona, ou máscara em vários papéis sociais de maneira desequilibrada, pode provocar danos em diversos comportamentos humanos, seja através das relações intrapessoais ou interpessoais, em qualquer indivíduo que não seja capaz emocionalmente de conviver com várias máscaras, como por exemplo, no trabalho, na família, na profissão, e de modo geral na vida afetiva. O melhor equilíbrio é saber usar a máscara e saber sair dela, e saber usá-la quando bem precisar, como faz um ator com diversos personagens.
O Anima, Jung o classificou de face interna nos homens e o Animus de face interna nas mulheres. Sendo assim, o Animaconstitui o lado feminino da psique masculina, e o Animus constitui o lado masculino da psique feminina. Cada homem tem uma mulher dentro de si, assim como cada mulher tem um homem dentro de si. Desta forma, durante muitas gerações o homem desenvolveu seu arquétipo Anima pelo relacionamento continuado com as mulheres e vice-versa.
Outro arquétipo que influi nas relações de pessoas do próprio sexo, que Jung denominou de Sombra. Este arquétipo faz parte da história evolutiva e mais aprofundada do homem, podendo ser mais poderoso e potencialmente mais perigoso de todos os arquétipos. Pode ser a fonte que há de melhor ou pior no homem, particularmente em suas relações com outras pessoas do mesmo sexo.
A sombra pode ser se tornar perigosa quando os homens tendem a projetar os impulsos de sua sombra rejeitada nos outros homens, de modo que, entre eles, surgem com frequência sentimentos negativos. O mesmo ocorre com as mulheres. A sombra tem uma natureza resistente e ao mesmo tempo persistente, e igualmente eficaz, tanto para promover o mal ou o bem. A rejeição da sombra diminui a personalidade. É na sombra onde estão contidos os ímpetos animais do ser humano, e que na visão de Jung devem esses ímpetos ferozes e vorazes ser domesticados no indivíduo.
O maior de todos os arquétipos, Jung apontou para o Eu, que é considerado o organizador da personalidade humana. Foi ao Euque Jung classificou como principal arquétipo do inconsciente coletivo, considerando-o como elemento superior, unificador e harmonizador entre os demais arquétipos e suas atuações nos complexos e na consciência.
Sem a presença do Eu, os demais arquétipos do inconsciente coletivo não conseguem ter firmeza e união. Portanto, compreende-se no conceito de Jung que, o Eu assume o comando interno interno e gerencia os conflitos dos traumas associados aos complexos, como também aos arquétipos, máscaras, animus, anima e sombra. É o Eu nesta condição psíquica, a suprema consciência, e que deve exercer com eficácia o seu trabalho. Do ponto de vista de Jung, a meta final de qualquer personalidade é chegar a um estado de autorrealização e de conhecimento do seu próprio Eu. Leia íntegra aqui
segunda-feira, 27 de setembro de 2010
domingo, 26 de setembro de 2010
Para a Mina
nem o sorriso para os infelizes
nem a oração de cada instante.
É preciso não esquecer de ver a nova borboleta
nem o céu de sempre.
O que é preciso é esquecer o nosso rosto,
o nosso nome, o som da nossa voz, o ritmo do nosso pulso.
O que é preciso esquecer é o dia carregado de atos,
a idéia de recompensa e de glória.
O que é preciso é ser como se já não fôssemos,
vigiados pelos próprios olhos
severos conosco, pois o resto não nos pertence.
Cecília Meireles
terça-feira, 21 de setembro de 2010
Árvores e pessoas
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Quem descia a Consolação, na semana passada, rumo ao centro, na capital paulista, recebia uma dádiva plantada no canteiro central da avenida. Vestida de amarelo, ela se orgulhava da sua beleza. Ainda jovem, aquela Tabepuia venceria fácil um concurso de beleza. De árvores! Os ipês floridos nas ruas da cidade de São Paulo esbanjaram alegria nesses dias, enchendo nossos olhos, e não apenas por aqui. Árvore brasileira típica, seus ancestrais se espalham por quase todo o País. Presentes nos campos e plantados nas cidades, os ipês derramam alhures suas lanceoladas flores, cobrindo o terreno qual tapete a enfeitar o chão. Sua exuberância na floração advém da condição caducifólia, quer dizer, espécie de planta que perde as folhas anualmente, no período frio, descobrindo assim seus botões florais. Tal propriedade botânica se acentua naqueles espécimes que vivem nas regiões subtropicais, onde o inverno é mais acentuado. Quando vem a florada, os ramos desaparecem sob a roupa tingida das árvores. Existem várias espécies de ipês. Todas antigamente ficaram famosas por sua madeira dura. E isso, desgraçadamente, tornou-a uma árvore sempre perseguida pelo afiado machado. Fazenda garbosa, daquela época, ostentava suas construções com o cerne da imponente árvore, na varanda alta, no assoalho, na tora do curral. Garantia de longevidade. Sucesso mais recente fez o ipê roxo, também chamado piúva, cuja casca virou remédio alternativo. Nos anos 1970 surgiu uma febre de chá de ipê roxo para combater doenças, quase aniquilando os exemplares da árvore dispostos por aí. E não era crença à toa. O professor Walter Accorsi, pioneiro no estudo medicinal das plantas, demonstrou na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), em Piracicaba, que realmente havia fundamento no uso da infusão para combater males estomacais, da pele, até tumores cancerosos. Fitoterapia.
Mais raro é o ipê branco, cuja efêmera florada dura apenas dois a três dias, bem menos que a dos seus primos amarelo e roxo. Já o ipê rosa, rápido no crescimento e frondoso na copa, com folhas grandes, ganha destaque crescente na arborização urbana. Lá na roça, os agricultores dizem que existe ordem na chegada da floração dos ipês. Mas com os plantios urbanos seus matizes acabaram se misturando. E quanto mais frio e seco for o inverno, mais intensa será a florada. Como neste ano.
Hoje, 21 de setembro, comemora-se o Dia da Árvore. A data nacional foi instituída por decreto de 1965, época militar. Na verdade, a norma estabelece a "Festa Anual das Árvores", variando sua celebração entre os Estados brasileiros. No Norte-Nordeste, as comemorações devem ser realizadas na última semana de março; no restante do País, iniciam-se em 21 de setembro. Coisas da lei.
As crianças, estimuladas na escola, gostam de festejar a data das árvores. Milhares de plantios hoje se realizam, sementinhas viram presentes, alunos fazem redações, crianças desenham raízes, caules e folhas. Ações de educação ambiental conscientizam as crianças sobre o valor da natureza. Parabéns às professoras e aos professores.
Pena que, geralmente, passa o Dia da Árvore e tudo volta ao normal. Nem sempre as próprias arvorezinhas plantadas são regadas, secando ao sol da primavera, ou cuidadas, virando comida das terríveis formigas saúvas. É triste observar as árvores nas ruas, ainda pequenas, tendo de ser confinadas numa prisão quadrada, um cercado necessário para evitar que pessoas inadvertidas lhes arranquem um naco de seus frágeis galhos.
Eu penso que todo dia deveria ser dia das árvores. Na sociedade ecológica que se impõe para que a civilização prospere, as árvores serão reverenciadas cotidianamente. Por causa do aquecimento do planeta, suas sombras frescas serão crescentemente apreciadas contra o calor do asfalto. E, certamente, os postes e seus fios, que hoje exigem a mutilação constante das árvores para lhes perpassarem a copa, perderão a batalha contra elas. Os passarinhos vão agradecer.
Em Tatuí, município do interior paulista, uma ideia genial vai fazer história. Lá lançaram o concurso de beleza das árvores. Seus moradores devem escolher o mais belo entre os espécimes que por ali se enraízam. Não precisa ser um ipê. Os jacarandás farão marketing de seus cachos azuis; os flamboyants, de sua miscelânea vermelha e amarela. Enormes jatobás, mesmo sem vistosas flores, também querem participar da disputa. Até os menores resedás e murtas vão entrar nessa inusitada disputa ambiental.
O Dia da Árvore estimula pensar no coletivo. No semiárido nordestino e em pedaços do cerrado brasileiro, o desmatamento anda causando aridez, provocando a erosão do solo, empobrecendo a economia. Processos de desertificação avançam, lentos e profundos, anunciando o perigo ecológico.
Colapso, magnífico livro de Jared Diamond, mostra como certas sociedades do passado pagaram caro o preço da devastação florestal. Na Ilha de Páscoa, por exemplo, aquela que ostenta grandes e inexplicáveis estátuas de pedra perdidas na paisagem desolada, a supressão total das árvores levou à extinção dos humanos. Uma trágica metáfora do futuro.
A História mostra que cuidar das árvores significa proteger a vida das pessoas.
P. S.: A beleza e a distribuição abrangente pelo território nacional levaram Jânio Quadros a instituir, em 1961, o ipê amarelo como a "flor nacional". Pouca gente sabe disso. Mais famoso ficou o pau-brasil, declarado "árvore nacional" em 1978. Essas e outras informações curiosas, com conhecimento técnico, você encontra em meu Almanaque do Campo, livro que autografo hoje à noite na Livraria Cultura do Conjunto Nacional. Espero você lá!
fonte:O Estado de S.Paulo
segunda-feira, 20 de setembro de 2010
O drama dos mineiros - Ivan Lessa
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Há algumas semanas o metrô em que eu fazia meu trajeto humilde ficou parado entre duas estações. Poucas pessoas no vagão. Um aviso do condutor pelo alto-falante nos informou de que teríamos de esperar por um trem emperrado mais adiante. Passam-se os primeiros dez minutos. O cavalheiro à minha frente faz muxoxos repetidos de impaciência. Uma senhora se abana. A maior parte continua a ler os letreiros dos anúncios ou a se concentrar (sem sair da mesma página) no jornal aberto diante de si.
Eu, que não chego a ser apavorado com lugares fechados, mas sou impaciente, olho repetidamente o relógio e, para passar o tempo, vou tentando me lembrar da letra inteira de uma velha valsa de Orestes Barbosa. A situação era chata. Nada de muito grave. Aos 20 minutos, um cidadão se levantou e começou a dizer qualquer coisa em voz alta. Não ouvi. Meu coração batia um pouco mais rápido e eu empacara naquele trecho de Serenata que vem logo depois de "na serpente de seda de teus braços". Estava, definitivamente, deflagrada uma crise.
A coisa - a crise - durou uns bons 40 minutos. A bem da verdade, uns horrendos 40 minutos. Enfim, a voz do condutor, segura de si, nos informou que a situação fora resolvida e iríamos seguir viagem. Assim foi. Que não seja nunca mais. Não tenho temperamento para essas coisas.
Por isso mesmo é que venho acompanhando o drama dos mineiros chilenos com o maior interesse. Deixei há algum tempo de ter o "maior interesse" em qualquer coisa. No entanto, por um desses mistérios insondáveis, os mineiros chilenos passaram a ocupar boa parte de minha vida acordado e, às vezes, sob a forma de pesadelo, dormindo também.
Estou do lado deles que chego ao ponto de quase mandar carta para a imprensa britânica quando não noticiam nada. Quero, porque quero, saber como vão as coisas. E como deverão ir.
Não acompanho visitas papais, recessões, greves no metrô (os metrôs ocultam perigos, digo para mim mesmo como um paraguaio paranóico), escândalos políticos. A mim, no momento, e até o futuro previsível - meu Deus, será mesmo só no Natal? - meu pensamento, meu sofrimento, minha solidariedade é com os 33 mineiros chilenos presos a 700 metros de profundidade no deserto de Atacama. O resto do mundo que continue na sua: que se vire.
Sei de cor dos planos e previsões e das medidas até agora tomadas. Fico torcendo, em vão, bem sei, para que um segundo milagre aconteça (não morrer ninguém e eles estarem vivos foi o primeiro) e a ciência, de mãos dadas à tecnologia, traga todos os 33 para o solo firme chileno, onde há sol, nuvens, árvores e mesmo que chova um pouco não faz mal.
Uma das coisas mais comoventes que vi este ano foi o desenho feito num guardanapo por um dos 33, o José Ojeda, um viúvo de 45 anos, e cuja especialidade é a broca e a dinamite. Na tela improvisada, que uma revista americana publicou, lá está o esboço de onde e como vivem desde 5 de agosto.
Fui de lupa, para melhor saber como vivem, se é essa a palavra. Lá está a rampa. O "quarto" central de 50 metros onde os mineiros se reúnem para as refeições, papo e companhia. Lá estão os túneis que os 33 usam para dormir naquela noite constante em que vêm vivendo. Lá está o local onde fazem suas "necessidades". Lá assinalados os tubos por onde recebem comida e coisas essenciais: um buraco de nada com 15 centímetros de diâmetro.
Mais que tudo, de doer, é o cuidado de Ojeda em mostrar onde ficam a maior parte do tempo (não há muita escolha) seus companheiros e amigos. A simples menção de seus nomes, nos garatujos que o homem escrevinhou dá uma coisinha lá dentro: Jonny Barrio, Carlos Barrio, Jimmy Sanchez, Dick Vega, Claudio Acuña - e paro por aqui, que já estou ficando sem ar, talvez por solidariedade, que sei indevida.
Penso no que os noticiosos informam, quando não tem mais escândalo a expor. Quando chegar o tempo, por volta do Natal, dizem, cada um dos 33 será literalmente içado à superfície numa viagem de duas horas, depois de sedados (para manter a calma) e terem os olhos vedados. A operação toda levará cerca de três dias.
Não consigo deixar de pensar no último a fazer a dolorosa, inda que tão ansiada, viagem. Consolo-me de minha (inútil) aflição sabendo que, entre os livros que os mineiros chilenos estão lendo, está um Manual de Como Falar em Público.
Desta distância toda, e cá em cima no que me asseguram que é a superfície, não consigo deixar de dar um palpite: mineiros chilenos, deixem esse livro de lado, que não deveriam ter mandado, como não mandaram nem a bebida alcoólica nem os cigarros pedidos. Cá em cima, de volta ao mundo dos homens, sejam o que estão sendo: de uma sobre-humana naturalidade
fonte BBC