sábado, 5 de julho de 2008

Fernando Pessoa


Cansa Sentir Quando se Pensa

Cansa sentir quando se pensa.
No ar da noite a madrugar
Há uma solidão imensa
Que tem por corpo o frio do ar.
Neste momento insone e triste
Em que não sei quem hei de ser,
Pesa-me o informe real que existe
Na noite antes de amanhecer.

Tudo isto me parece tudo.
E é uma noite a ter um fim
Um negro astral silêncio surdo
E não poder viver assim.

(Tudo isto me parece tudo.
Mas noite, frio, negror sem fim,
Mundo mudo, silêncio mudo -
Ah, nada é isto, nada é assim!)

Um comentário:

  1. Álvaro de Campos

    Estou Cansado

    Estou cansado, é claro,
    Porque, a certa altura, a gente tem que estar cansado.
    De que estou cansado, não sei:
    De nada me serviria sabê-lo,
    Pois o cansaço fica na mesma.
    A ferida dói como dói
    E não em função da causa que a produziu.
    Sim, estou cansado,
    E um pouco sorridente
    De o cansaço ser só isto —
    Uma vontade de sono no corpo,
    Um desejo de não pensar na alma,
    E por cima de tudo uma transparência lúcida
    Do entendimento retrospectivo...
    E a luxúria única de não ter já esperanças?
    Sou inteligente; eis tudo.
    Tenho visto muito e entendido muito o que tenho visto,
    E há um certo prazer até no cansaço que isto nos dá,

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